Nonato Guedes
O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que até então parecia desmoralizado pelo presidente Jair Bolsonaro, que desautorizou medidas preventivas de enfrentamento ao coronavírus conforme recomendações da Organização Mundial da Saúde, resolveu confrontar o chefe, segundo relato do jornal “O Estado de S. Paulo”, mesmo arriscando-se a ser exonerado. Em reunião com o presidente e outros ministros, Mandetta advertiu Bolsonaro de que a pandemia da Covid-19 não se trata de uma “gripezinha” e traçou um paralelo: a morte de mil pessoas no país é equivalente à queda de quatro aviões comerciais de grande porte.
Dados divulgados ontem pelo ministério da Saúde apontam que o Brasil já teve 114 mortes em decorrência do coronavírus. Mandetta teria questionado, conforme o jornal: “Estamos preparados para o pior cenário, com caminhões do Exército transportando corpos pelas ruas? E com transmissão ao vivo pela internet”. O ministro, que foi deputado federal e é do Democratas, pediu ao presidente que crie um ambiente favorável para um pacto entre governo federal, estados, municípios e setor privado, em busca de uma ação conjunta contra o coronavírus. O pedido teria como objetivo unificar regras e medidas, colocando critérios científicos sempre como prioridade no controle do contágio.
Mandetta teria sugerido, igualmente, a criação de uma central de pessoal e equipamento para possibilitar o remanejamento rápido de leitos, respiradores, médicos e enfermeiros entre Estados. Além disso, pediu para que Bolsonaro não menospreze a gravidade da situação em manifestações públicas, admitindo a possibilidade de criticá-lo na resposta. O presidente, segundo o jornal, rebateu e falou que nesse caso iria demitir o ministro. O jornal “O Estado de S. Paulo”, citando fontes, afirmou que Mandetta não irá pedir demissão em meio à crise, mas admitiu deixar o ministério ao fim da pandemia. Por outro lado, comprometeu-se a não capitalizar politicamente em caso de sucesso, alegando não ter ambições políticas ou reivindicar posição de destaque.
Ao apresentar o balanço dos 30 dias de contágios do novo coronavírus no Brasil, que já tem oficialmente 3.904 casos e 114 mortes, Luiz Henrique Mandetta reiterou a defesa do isolamento social como estratégia para frear a expansão da Covid-19 no país. Fez críticas, sem citar nomes, a governadores que adotam medidas descoordenadas do resto da Federação e elogiou o presidente Jair Bolsonaro ao falar da preocupação com a economia. Mas também destoou dos argumentos utilizados pelo próprio presidente e por seus seguidores em relação à pandemia em ao menos três pontos, além do isolamento social: refutou a comparação entre a Covid-19 e H1N1, por achá-la descabida; afirmou que há motivos para preocupar-se com pessoas de todas as faixas etárias, incluindo pessoas jovens e relativizou o uso da cloroquina, que foi apontada pelo capitão como uma solução para a doença.
Em diversas ocasiões – e aqui continuo transcrevendo trechos da matéria do “Estadão” – Mandetta falou na importância de “parar” e elencou benefícios: “Quando a gente manda parar, diminuem acidentes, traumas e aumentam leitos de UTI quando precisamos. Diminuem politraumatizados na UTI e aumento espaço para os internados por viroses. Ou seja, mais um benefício quando a gente manda parar, além de diminuir a transmissão. Uma outra razão para a gente ficar em casa, parado: para a gente colocar os equipamentos nas mãos dos agentes que precisam”. Mandetta disse ainda que o isolamento já está funcionando e que se as pessoas saírem ao mesmo tempo faltarão equipamentos de proteção para os médicos e outros materiais que precisam ser importados da China. As falas de Mandetta contrastam com a postura do governo federal que quis fazer uma campanha com o mote “O Brasil não pode parar” mas foi barrado pela Justiça.
Desde que eclodiu a pandemia de coronavírus no Brasil, o ministro da Saúde ganhou projeção como o grande articulador das medidas de prevenção e como o executor das ações concretas de enfrentamento que reduziram, em muito, fatalidades decorrentes de políticas públicas mal planejadas. Num gesto inédito, motivado por ciúmes, o presidente da República passou a sabotar o seu braço-direito nessa ofensiva e a ditar regras em sentido contrário, valendo-se da onipotência de que se acha investido e desprezando argumentos infalíveis da Ciência e da Medicina, como de resto despreza tudo com que não concorda. O ministro recolheu os flaps e andava pelo Planalto como um zumbi, mas, pelo visto, reagiu inspirado por Calderón de La Barca: “Ao rei, tudo. Menos a honra”. Claro que é candidato certo à demissão, passado tudo isso ou até mesmo antes de passada a tempestade. Mas terá acrescentado gramas de dignidade à sua personalidade. Era a estatura que estava faltando a Mandetta. Como a Bolsonaro continua faltando a noção das coisas e do que é o governo.