Nonato Guedes
O calendário, inexorável, aponta o transcurso, hoje, de dois anos da morte da jornalista Nelma Figueiredo. Ela faleceu precocemente aos 53 anos de idade, no hospital da Unimed, em João Pessoa, vítima de câncer. Por causa da doença, estava afastada do programa “CBN João Pessoa”, que ancorava na rádio CBN, do Sistema Paraíba de Comunicação, nas manhãs de segunda a sexta-feira. Natural de Brasília mas com origens familiares enraizadas no Vale do Piancó e com atuação profissional concentrada em João Pessoa, Nelma Figueiredo projetou-se na comunicação em televisão, como repórter da TV Cabo Branco.
Logo se tornou conhecida e respeitada pelo seu estilo inconfundível, de repórter atenta a detalhes de bastidores, e de profissional que valorizava a ética e a apuração rigorosa dos fatos. Tinha uma outra característica: a simplicidade, apesar do estrelato. E o hábito de “checar” informações, consultar fontes abalizadas, inclusive do meio jornalístico, para tirar dúvidas sobre diferentes assuntos que constavam da sua pauta de trabalho. Com este repórter, Nelma trocava impressões sobre episódios do noticiário político e da história da Paraíba. Quase diariamente telefonava ou mandava mensagens por e-mail, dando notícias e colhendo subsídios. Joia rara da Comunicação na Paraíba, Nelma conciliava a modernidade tecnológica com princípios imutáveis do “fazer jornalístico”. Foi um dos raros valores que saiu do Curso de Comunicação da Universidade Federal da Paraíba com a carreira pronta. Teve o dom de conciliar as aulas teóricas da academia com o batente da redação.
Por isso credenciou-se a coberturas jornalísticas de fôlego, como as das mortes dos ex-governadores Ronaldo Cunha Lima e Antônio Mariz. Nesse mister, revelou-se infatigável, largando na frente de profissionais de imprensa concorrentes, obtendo informações com absoluta exclusividade, que transmitia ao vivo com equilíbrio e segurança, dosando as emoções que o mister jornalístico impõe a seres comuns. Em 2002, eu atuando no jornal “O Norte” como colunista político e repórter especial, ela se preparou para ser a primeira mulher de imprensa a mediar um debate entre candidatos a governador, no pleito polarizado por Cássio Cunha Lima e Roberto Paulino, na TV O Norte. Esmerou-se até dizer basta nessa empreitada. Passou uma semana inteira me acionando, por conta de pioneirismo que eu obtivera como mediador de debates na TV Cabo Branco, afiliada da Globo. Disso dependeriam a credibilidade da jornalista e o seu futuro no ofício escolhido.
Guardo, ainda, em meus arquivos, como lições de profissionalismo, “prints”, textos sobre o formato do debate que Nelma Figueiredo iria mediar, com regras impecáveis que conferiam ao mediador, como convinha, o poder moderador no embate entre adversários, com liberdade para decidir calar o microfone em caso de radicalização ou extrapolamento do tempo estabelecido para cada um. Nessa jornada, Nelma comportava-se com impessoalidade absoluta, rigorosa com ela mesma, consciente de que as atenções estavam focadas, também, na mediadora, como representante de um veículo de informação influente, a quem cabia agir com imparcialidade irrestrita, cercando-se de cuidados para não dar a mínima impressão de favorecimento a qualquer postulante.
Lembro que houve forte pressão psicológica por parte de expoentes de comitês partidários dos candidatos a governador que iriam se confrontar na TV O Norte em torno de Nelma Figueiredo. Era o “lobby” para tirar vantagem para o candidato que pagava aos assessores e tentar desqualificar o espaço dos concorrentes – quer dos candidatos ou assessores. Nelma confessou-me que houve momentos em que achou que não iria resistir ao bombardeio e acabou se surpreendendo quando conseguiu se impor, com sua personalidade. Mas, também, pelo seu carisma. Esta última qualidade ela possuía de forma intransferível e inimitável. Era o segredo para lograr acesso às melhores informações em primeira mão.
Nelma foi representativa de uma geração que se pautou pelo idealismo na imprensa. Esse idealismo significava não ambicionar levar vantagem nas coisas nem tentar se impor a qualquer preço, ao invés de forçar a barra, arrombar as portas para conseguir um lugar ao sol. É por tudo isto que Nelma Figueiredo faz tanta falta. Porque, além de ser profissional nota mil, era uma figura humana extremamente amorosa, espontânea, solidária, de largos gestos de afetividade que construíram ao longo dos anos a aura de sua personalidade. Para mim, particularmente, era colega, amiga-irmã, musa. E, além disso, confidente-cúmplice de minha mulher, Bernadeth, com quem trabalhou no Detran e com quem “tricotava” permanentemente, protegida de eventual interferência indiscreta da minha parte. Nelma vive, nos nossos corações.