Nonato Guedes
Vai se desenhando uma situação inusitada na conjuntura institucional brasileira nestes tempos de coronavírus: por causa da postura ciclotímica do presidente Jair Bolsonaro (que oscila entre a bravata e a inação no combate aos efeitos da pandemia da Covid-19), ministros estão tomando decisões que constituem competência de suas Pastas à revelia do mandatário, justificadas em face do quadro de calamidade que reclama urgência urgentíssima no socorro do poder público. Mesmo ministros que aparentemente estão com a cabeça a prêmio no círculo do presidente, como Luiz Henrique Mandetta, da Saúde, e Sérgio Moro, da Justiça e Segurança Pública, estão sendo proativos independentemente dos conceitos e das determinações presidenciais. O da Economia, Paulo Guedes, que devia estar sendo ouvido e cheirado nesta fase, já que Bolsonaro tenta conciliar prevenção com manutenção de empregos e postos de trabalho, decidiu ficar em casa, dando milho aos pombos.
Um especialista de fora em regimes políticos, como, por exemplo, “brasilianist”, que inventasse de mergulhar no âmago da conjuntura presente que reina no Brasil, entraria inevitavelmente em parafuso para definir o que está havendo politicamente aqui. Não há presidencialismo pleno nem semipresidencialismo. Há “ministerialismo” e arremedo de semiparlamentarismo. Sim. Porque além dos ministros que estão decidindo para preencher o espaço vazio e não deixar a população desamparada, os dirigentes do Congresso – Senado e Câmara, têm sido eficientes na condução da crise, promovendo sessões remotas que conferem recursos financeiros e poderes ao presidente da República para operar em meio à conflagração da situação. Infelizmente, Bolsonaro está perdido. Cavou o próprio isolamento e, pelo que se diz, chora pitangas nos corredores palacianos, em desabafos que orquestra contra segmentos que tem atacado impiedosamente, fiel à sua vocação beligerante. O recuo aparente está chegando tarde, é o consenso.
A falta de suporte interno unânime, de acordo com a “Folha de São Paulo”, fez com que Bolsonaro se voltasse para o seu meio de origem, o militar, cuja ala no governo havia sido reforçada no começo do ano após ter sido escanteada pelo chamado núcleo ideológico centrado nos filhos do presidente, que sempre atrapalham, nunca ajudam o pai na solução de impasses. A incursão de militares pela política, salvo raríssimas exceções, resulta desastrosa – e foi o que se deu com o protagonismo que Bolsonaro conferiu ao chefe da Casa Civil, general Walter Braga Netto. Na entrevista de segunda-feira, para horror dos políticos, Braga Netto comportou-se como um tutor do ministro Mandetta e ainda especulou sua demissão.
Não menos desastrosa foi a postagem no Twitter do ex-comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas. O homem a quem Bolsonaro uma vez disse dever a sua eleição em 2018 defendeu no Twitter a postura “de coragem” do capitão na crise, justamente quando o presidente se encontrava sob uma saraivada de críticas por ter ido ao comércio popular do entorno de Brasília no domingo. Conforme matéria da “Folha”, o que é possível dizer a esta altura é que há preocupação com o risco de instabilidade social devido aos impactos econômicos da pandemia, além daquilo que já era identificado como o perigo de os militares serem usados na disputa entre o presidente da República e os Estados. Associado a tudo isso, existe o temor de que a beligerância de Bolsonaro leve a crise a outro patamar, já que ele não conta mais nem com apoio no Congresso nem com a boa vontade do Supremo desde que apoiou ato público pedindo o fechamento das instituições.
Já são feitas comparações entre a situação do presidente Bolsonaro e a do premiê húngaro Viktor Orbán, que ganhou poderes ditatoriais em meio à emergência sanitária. No Brasil, Bolsonaro ganha panelaços, como forma de protesto, e há sinais irrefutáveis de que é cada vez mais crescente a erosão da popularidade do capitão entre parcelas dos próprios eleitores que sufragaram seu nome na eleição de 2018, quando parecia “a novidade”. Os “arrependidos” descobrem, agora, que o capitão incensado como “mito” não estava à altura das responsabilidades e dos desafios da missão de presidente da República. Os cenários à vista são desoladores: 1) renúncia de Bolsonaro, que é considerada remotíssima, a partir da própria resistência dele; 2) investidura do vice, Hamilton Mourão, que é militar, pensa como militar e não dá garantias de que consiga ser melhor do que Bolsonaro, malgrado acenos populistas feitos; 3) impeachment – o remédio amargo que vai ganhando força diante da convulsão social iminente; 4) Bolsonaro fica, tutelado pelos militares.
Como disse um líder político de destaque à ”Folha de S. Paulo”, o dilema está em saber qual seria o papel de Bolsonaro no arranjo número 4, o que prevê a volta da ideia de tutela por parte dos militares. Não há como brigar com os fatos: o capitão está acuado. Irremediavelmente. E, nessa pisada, há quem diga que já pode começar a ir pensando em dar adeus à reeleição. Que ninguém invente de falar-lhe isso. O capitão está com os nervos à flor da pele.