Nonato Guedes
Com a entrada de abril começa a movimentar-se o calendário elaborado para as eleições municipais a prefeito, vice-prefeito e vereador no país, previstas para quatro de outubro em primeiro turno. As regras baixadas pelo Tribunal Superior Eleitoral não esperam por ninguém e por isso começam a valer para casos de transferência de domicílio, como tem sido advertido na Paraíba pelo presidente do tribunal, José Ricardo Porto. Só que, em tempos de pandemia de novo coronavírus, o atendimento presencial é secundário, passando a ser admitido o atendimento virtual, com resolução de problemas através de e-mails ou de sites autorizados pela Justiça. Já se pergunta em tom de chiste se valerá o voto “online”, tal como têm tido validade as “sessões remotas” realizadas por Parlamento e Judiciário para votação emergencial de matérias consideradas imprescindíveis.
É claro que a realização de uma eleição “online” é absolutamente impraticável e suscita justificadas dúvidas de candidatos e partidos políticos sobre a legitimidade das manifestações de intenção de voto. O remédio amargo que se propõe como alternativa a esse provável artifício seria o cancelamento das eleições, com a consequente prorrogação de mandatos dos que já estão no exercício dos respectivos cargos. A prorrogação traduz medida geralmente antipática, confundida com casuísmo e com oportunismo de lideranças políticas que não querem fazer esforço para se reconduzirem a postos de comando que ocupam. Sugere-se, então, como tem sido feito, o adiamento das eleições, possivelmente para dezembro, com o compromisso de investidura dos eleitos a primeiro de janeiro, para não haver quebra do calendário constitucional.
O problema é que a realização de eleições em dezembro pressupõe, à primeira vista, o congelamento da pré-campanha, em que postulantes ou interessados começam a ocupar espaços, a ganhar visibilidade, buscando atrair simpatias que sejam convertidas em sufrágios nas urnas eletrônicas. Economicamente se reduzirão os custos porque teremos, nessa hipótese, uma campanha curtíssima, que mal dá para propagar os nomes de candidatos e de partidos a que são filiados (citações exigidas pela lei eleitoral). Mas ficará prejudicado o embate propriamente dito, que envolve a apresentação de propostas para conhecimento pelo eleitorado como condição para firmar uma posição ou preferência. O fato é que seja qual for o caminho encontrado vai se ter uma conjuntura de sacrifícios. Afinal, sacrifício já está sendo exigido do povo brasileiro nestes tempos de pandemia do coronavírus, com o isolamento social compulsório e a desativação temporária de postos de trabalho e circulação do dinheiro.
É falacioso dizer-se que a eleição municipal é irrelevante. Não tem – isto é fora de dúvida – a dimensão das eleições presidenciais, das eleições de governadores de Estados e do Distrito Federal e das eleições de congressistas, em que há uma seletividade mais criteriosa de candidaturas e espaço para o debate mais amplo, que é da essência da democracia. Sobre a eleição municipal, convém lembrar o axioma repetido com frequência por líderes políticos de que é na base que começa a Federação – um ponto discutível já que, em paralelo, cobra-se que não há estado federativo no Brasil e que a União continua excessivamente centralizadora, em detrimento dos repasses ou da distribuição de recursos com Estados e municípios, sem falar na concentração da parte do leão da arrecadação dos tributos sagrados e consagrados.
Os pleitos municipais, em certa medida, podem até constituir pré-vestibulares para voluntários que almejam destacar-se nos cenários estadual e nacional. Há exemplos de presidentes da República que fizeram, por assim dizer, estágio probatório em capitais e cidades de porte médio, a exemplo de Jânio Quadros, Juscelino Kubitscheck. E é vasta a relação de ex-prefeitos de Capitais – do Estado de São Paulo ao Rio Grande do Sul, que se aventuraram como concorrentes à Presidência da República, ainda que sem lograr êxito. Não convém, portanto, minimizar ou menosprezar a importância das eleições municipais, que, além do mais, refletem a pré-pauta que condiciona as grandes decisões nacionais, confiadas ao presidente da República e ao Parlamento.
Uma observação que cumpre validar, a propósito das eleições no Brasil, é que o processo tem sofrido mutações que em algumas circunstâncias chegaram a desfigurar o sentido democrático esperado nas disputas. Assim é que os Guias Eleitorais, assegurando espaço obrigatório (seja qual for o tempo de duração) para partidos e candidatos entronizaram na cultura política do país o monólogo, a exposição estafante, às vezes pouco qualificada, de postulantes a cargos eletivos, que se debatem consigo mesmos para se fazerem convincentes na formulação de ideias novas, geralmente escassas. Dizia meu mestre João Manoel de Carvalho que as eleições no Brasil não asseguram a democracia, pois constituem contrafação da democracia. Se formos analisar em profundidade o quadro ainda é este. Mas cabe a ressalva de que, com todas as limitações, eleição ainda é o termômetro popular mais legítimo que se tem na democracia que se pratica.