Nonato Guedes
Não há qualquer prognóstico sobre suposto retorno do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à prisão. Posto em liberdade por decisão judicial, após cumprir 580 dias de permanência em sala da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba, Lula convive, atualmente, com avigência do isolamento social recomendada pelo Ministério da Saúde em sintonia com a Organização Mundial de Saúde, em meio à pandemia do coronavírus. Isto não o impede de ser ativo nas redes sociais, com opiniões quase diárias sobre a Covid-19 eum alvo definido: o governo do presidente Jair Bolsonaro, tirando proveito das trapalhadas que este tem cometido, indispondo-se com o próprio ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e desdenhando da Organização Mundial de Saúde, que diariamente monitora o avanço da doença. Também é cortejado para entrevistas a sites, portais, jornais impressos e revistas. Lula é “pop”.
A atuação descoordenada do governo Bolsonaro tem sido um prato cheio para opositores do capitão-presidente, como o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), provável candidato a presidente da República em 2022, que já foi aliado do atual mandatário na campanha de 2018, quando surfou na onda do “novo” que o capitão encarnava na mídia. Ontem, Doria e Lula trocaram afagos em rede social a propósito de impressões genéricas, mas convergentes, acerca da dimensão da pandemia e das medidas que precisam ser tomadas em meio à emergência. Pareceu um ensaio combinado para fustigar o alvo comum a eles – Bolsonaro. Para Lula, ser “retuitado” pelo governador de São Paulo equivaleu a um gesto de reabilitação política, de sua reinserção na cena política nacional.
Aliás, na semana passada, o diretor-presidente do Vox Populi, Marcos Coimbra, em artigo que reproduzimos neste espaço, defendeu abertamente que o ex-presidente Lula da Silva “esteja à mesa” nas discussões sobre os problemas emergenciais e estruturais que afligem o Brasil, já que a crise da Saúde derivou para desdobramentos econômicos de profunda repercussão, que afetam diretamente a vida de milhares de pessoas. O debate sobre como conciliar isolamento com atividade econômica tem sido o grande motor das controvérsias nas redes sociais, desta feita opondo especialistas em Saúde Pública a governantes como o próprio presidente da República, governadores e prefeitos, que têm a responsabilidade de administrar conflitos e reivindicações, bem como de atuar com firmeza para inibir focos de convulsão social. É o Fla x Flu destes tempos sombrios que vivemos, todos nós.
A convulsão social, nos tempos de pandemia, é tudo que a autoridades brasileiras não desejam, diante das consequências imprevisíveis que certamente acarretaria. E é certo que, embora fustigando Bolsonaro no macro, gestores estaduais e municipais flexibilizam normas de comportamento social para não suscitar embriões de reação que ninguém sabe que forma terão e qual o impacto que podem exercer na vida do Brasil nesta conjuntura já explosiva, com a sociedade submetida ao bombardeio diário de notícias sobre o novo coronavírus e alarmes quanto a momentos de “pico”, em que tudo pode sair do controle. Lula tem sido crítico em relação a Bolsonaro por pura birra, para irritá-lo por ter sido devassado e devastado pelo governo dele. Mas é cauteloso em relação à pandemia para não oferecer pretextos que o desmoralizem e o retirem de qualquer relevância em termos de opinião nesta etapa.
Quando passou a gozar de ampla liberdade de circulação, sem o espectro assustador do novo coronavírus (no qual integra grupo de risco), o ex-presidente, que atualmente está recolhido em casa em São Bernardo do Campo, São Paulo, berço da trajetória sindical que o levou à política, conspirou o máximo que pôde para tricotar a formação de chapas com vistas às eleições de prefeitos de Capitais importantes ou estratégicas para o PT nas eleições deste ano. Deixou clara a determinação aos petistas de que a prioridade seria o lançamento de candidaturas próprias a prefeituras, mas que haveria concessão para alianças, no campo da esquerda, em localidades onde o PT fosse incapaz de forjar candidatos ou candidaturas competitivas para ganhar o pleito. Lula procurou reforçar a concepção de que deve cessar o que chama de “perseguição política” contra ele, o que implicaria na declaração de sua inocência e da permissão para voltar a participar, como protagonista, de disputa. Ele mira 2022, evidentemente, quando estará em jogo a Presidência que Bolsonaro ora exerce.
Lula livre coloca na berlinda o Judiciário, diante da polêmica sobre se houve mera perseguição política na punição a ele aplicada ou, se de fato Da Silva incorreu nos crimes de que foi acusado, entre eles o de lavagem de dinheiro e corrupção passiva. Este é um caso inconcluso, um impasse para a própria Justiça brasileira, que ninguém sabe como será resolvido. Enquanto isso, o “pajé” petista gasta o tempo nas redes e, também, dando entrevistas à mídia. Que ele chegou a querer regular quando estava no governo, mas que agora, na oposição, naturalmente incensa, como convém a todos os políticos oportunistas.