Nonato Guedes
Na condição de timoneiro do barco, o empresário e ex-senador Roberto Cavalcanti apostou ao máximo no potencial do jornal “Correio da Paraíba”, que sucumbiu, ontem, na sua versão impressa, em meio a 66 anos de história de “ética e paixão”, segundo alardeava seu “slogan”. Como ele confessou em artigo incluído no livro “Como Penso”, há mais de três décadas abraçou o projeto do “Correio” não como decisão meramente empresarial, mas como fruto de uma paixão desenvolvida, nutrida e embalada desde a infância. “Ler jornal é um hábito de vida. Uma cultura de família. Na casa do Doutor René, o café se tomava com jornal. Podia até faltar o café, o jornal nunca. E é por isso que recebi com tanto entusiasmo a missão de levar adiante o valor intangível do jornal Correio”, contou Roberto, mesclando lembranças da rotina na casa dos pais em Pernambuco, de onde veio para se tornar Cidadão Paraibano.
Roberto relatava que as transformações e o tempo não aplacaram sua paixão e que se sentia cada vez mais contagiado pelo sentimento de ler jornal, além de partilhar a ideia de que não estava sozinho nesse mister. A impressão reforçou-se com a volta ao mundo que empreendeu em 2016 ao longo de quinze dias. “Por onde passei, “ele” (jornal impresso) estava lá – nas recepções e apartamentos dos hotéis, nas salas vips e entradas dos aviões, nas bancas de revista e esquinas do planeta. Obviamente, o jornal impresso tem hoje muita companhia, não reina mais absoluto. As notícias jorram de múltiplas plataformas tecnológicas, inundam dispositivos móveis. Mas a despeito de tudo o que a tecnologia acrescentou à comunicação, o jornal mantém (aqui e alhures) uma legião de leitores sequiosos, dispostos a começar o dia em suas mãos. Sou um deles”, “entregou” Cavalcanti.
Um outro fator, além da paixão, que movia Roberto na relação com o jornal impresso, de acordo com sua versão, constituía-se na credibilidade repassada pelo veículo. É dele a palavra: “Proponho um teste: o bip de seu celular avisa que chegou nova postagem. Nela informam que o Banco Central acaba de aumentar a taxa de juros. Pergunta: você tomaria decisão empresarial com base apenas nesta informação? E se, ao invés de uma postagem desconhecida, essa informação estivesse nas páginas de um jornal? A verdade é que, das mil notícias que pipocam nas redes sociais, o que a gente leva para casa tem que ser chancelado por um veículo de credibilidade. E empresas de comunicação que desfrutam deste prestígio têm jornais impressos – colocam nas ruas, todos os dias, as versões apuradas, contraditadas e consolidadas dos fatos. Essa assinatura, esse carinho, muda tudo. E faz, em meio a tanta novidade, o pulso continuar a pulsar nas rotativas”, escreveu Roberto no artigo publicado em 14 de abril de 2016.
A manifestação do doutor Roberto Cavalcanti exprimia mais uma análise passional, devocional, ao hábito de ler jornal impresso, do que uma visão técnica-empresarial aprofundada sobre a migração que o mundo passou a acompanhar rumo às plataformas digitais, numa velocidade assustadora que ceifou, também, grandes jornais nacionais, citados como referência por jornalistas e por empresários donos de jornais. A paixão pelo impresso talvez tenha toldado a abertura por parte do dirigente máximo do “Correio” a opções ou experimentos tais como a mescla de jornalismo online e impresso que, hoje, é oferecida por remanescentes de expressão da imprensa tradicional como o New York Times, nos Estados Unidos. Só que essa combinação demandaria planejamento e investimentos consolidados que, na estrutura de precariedade em que se move ainda, comparativamente, a Paraíba, talvez fossem inexequíveis. O portal “Correio”, a versão online, não alcançou a receptividade do jornal impresso. Ou terá faltado estratégia de massificação?
Em última análise, ouso arriscar o palpite de que o monopólio que passou a ser exercido pelo “Correio da Paraíba” no jornalismo privado, em nosso Estado, depois do fechamento de “O Norte”, “Diário da Borborema” e “Jornal da Paraíba” não fez bem ao próprio “Correio”, que praticamente se acomodou, deixando de premiar os leitores com informações mais densas e atraentes e, sobretudo, não soube priorizar o segmento de “análises” políticas, econômicas e sociais, o que poderia revolucionar culturalmente a mentalidade do público leitor na Paraíba e na região Nordeste. O “Correio” teria que se reinventar, desse ponto de vista, como foi capaz de se reciclar na editoria de Rubens Nóbrega, que adotou a figura do “ombudsman” e tornou o jornal mais dinâmico, e, em outra etapa, na editoria de Lena Guimarães, que alargou espaços com a pujança dos cadernos segmentados, incorporando nichos que até então não haviam sido capturados pela empresa.
Não é o caso de verter pitangas em cima do que não foi feito ou daquilo que poderia ter sido feito para assegurar sobrevivência de empreendimentos. A história mostra, no final das contas – longe de achismos de ocasião – que empreitadas de reinvenção que signifiquem rupturas com métodos já fadigados constituem tarefas hercúleas, que não prosperam sem contar com alicerces sólidos, embasados em prospecções corretas de conjunturas. Não houve tempo, no caso do “Correio da Paraíba”, para ajustar a “ética e a paixão”, que constituíam o “leit-motiv” de expoentes como o doutor Roberto, ao relógio do Tempo, que continua a ser O Senhor da Razão.