Nonato Guedes
A diocese de Cajazeiras, no Alto Sertão paraibano, celebrou,ontem, 28 anos da morte de Dom Zacarias Rolim de Moura, que foi bispo de 1953 a 1990, com atuação destacada no clero regional. Ele faleceu em 1992, aos 77 anos, no lugar onde nasceu – Umari, no Ceará. Escolhido pelo papa Pio XII para bispo de Cajazeiras, Dom Zacarias teve sua sagração episcopal e posse canônica em 26 de junho de 53, na Catedral Diocesana de Cajazeiras. Foi fundador do Seminário Nossa Senhora da Assunção e lutou pela criação da diocese de Patos, onde também atuou, e que se concretizou no ano de 1959. “Dom Zacarias morreu pobre e humilde”, afirmou, em depoimento a “Os Guedes”, em dezembro de 2019, o monsenhor(padre)Gervásio Fernandes de Queiroga, que foi secretário particular de Dom Zacarias. Perito em Direito Canônico e assessor da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil por mais de duas décadas, Gervásio participou do Concílio Vaticano Segundo, que revolucionou a história da Igreja no mundo.Voltou a residir em Cajazeiras, depois de ter atuado em Quixadá, no Ceará. Segundo ele, Dom Zacarias teve influência decisiva na consolidação de empreendimentos de vulto na área educacional em Cajazeiras.
Em depoimento sobre suas memórias, publicado no livro “A tristeza de não ser santo”, organizado por Rudy Albino de Assunção, Renato Moreira de Abrantes, Bruno Dias de Lima, Leandro Sabino da Rocha e Yago Filgueiras Lima, Gervásio lembrou que dom Zacarias era filho de proprietário rural e, por herança, ele mesmo pequeno proprietário, e que resolveu começar na diocese quando bispo de Cajazeiras a Frente Agrária, uma organização para mobilizar os trabalhadores e prepará-los para futura sindicalização. Relata Gervásio: “Dom Zacarias, sendo proprietário e conservador, conseguiu, em dois ou três dias, em 1961, encher de agricultores o salão do Círculo Operário e fundar a Frente Agrária, em preparação da fundação do Sindicato Rural, que, na época, não era reconhecido por lei. O processo de sindicalização rural deflagrado em Cajazeiras foi seguido na diocese por padres como Frei Marcelino (capuchinho) em Catolé do Rocha, Monsenhor Oriel Fernandes, em Pombal, Padre João Estrela, em Sousa e até pelo seminarista teólogo Nelson Araújo em sua terra natal, São José da Lagoa Tapada.
Dom Zacarias Rolim de Moura foi bispo de Cajazeiras no período em que eclodiu a ditadura militar, denominada “revolução” e deflagrada entre a noite de 31 de março e a manhã do dia primeiro de abril de 1964. Procurou agir com moderação em meio a choques ideológicos que permeavam a atuação da própria Igreja no país, com a divisão propagada pela mídia entre bispos “conservadores” e “progressistas”. No dia dois de julho de 1975, uma bomba-relógio explodiu no Cine-Teatro Apolo XI, que então pertencia à diocese de Cajazeiras, causando a morte do soldado Altino Soares (Didi) e do funcionário Manuel Severino. Outras duas vítimas ficaram feridas. A bomba de fabricação caseira mas de alto teor explosivo, com potencial para matar entre 100 e 150 pessoas se a explosão ocorresse com a sala de projeção cheia de espectadores, foi colocada debaixo da cadeira onde dom Zacarias frequentemente sentava para assistir a exibição de filmes. Só que nessa noite do atentado dom Zacarias estava no Recife, para onde viajara a fim de selecionar e adquirir filmes que seriam exibidos no Apolo XI. À imprensa, dom Zacarias disse: “Não tenho inimigos. Se ideologicamente entro em divergência com outras pessoas, não vejo razão nenhuma para que isso justifique um atentado, pois sou apenas um discípulo de Deus”.
A responsabilidade pelo atentado nunca foi esclarecida pelas autoridades militares, apesar de insistentes cobranças e pressões de autoridades e políticos como o ex-deputado João Bosco Braga Barreto e o ex-governador Ivan Bichara Sobreira. Dom Zacarias participou do Concílio Vaticano Segundo e se fez acompanhar pelo padre Gervásio como assessor e teólogo privado. Dom Zacarias contou a Gervásio que no quarto e último período conciliar tentou convencer D. Castro Mayer, seu antigo mestre no seminário de São Paulo, a votar em favor da declaração sobre a liberdade de religião e consciência, mas dom Mayer respondeu ser impossível. Gervásio ajudou a D. Zacarias na preparação de sua única intervenção em plenário na primeira sessão, na discussão do documento da Liturgia. Havia grande preocupação com a participação do povo na Liturgia. “Vendo, com dificuldade e receio, só se falar tanto de participação ativa, Dom Zacarias, sem negar isto, mostrava a necessidade dos momentos de silêncio e interiorização durante as celebrações. Essa proposta constituiu novidade e exceção na discussão sobre reforma litúrgica.