Nonato Guedes
No dia primeiro de junho de 1993, morria aos 72 anos de idade o jornalista Carlos Castello Branco, o “Castelinho”, maior colunista político da imprensa nacional na segunda metade do século XX e referência para inúmeras gerações de profissionais da imprensa em todo o país. Na definição da jornalista Dora Kramer, Castello era um mestre no bordado dos detalhes e ensinou o Brasil a desvendar entrelinhas a fim de compreender o jogo do poder numa época em que tudo o que o poder queria era esconder o jogo. Natural do Piauí, com projeção alcançada em Brasília, ele assinou a “Coluna do Castello” durante 31 anos no “Jornal do Brasil”. Era leitura obrigatória, sobretudo em momentos de crise e durante a ditadura militar, quando, para driblar a censura, Carlos Castello Branco recorria a metáforas como forma de traduzir os acontecimentos que se processavam na estrutura de poder.
No livro “Todo aquele imenso mar de liberdade”, Carlos Marchi narra “a dura vida do jornalista Carlos Castello Branco”, salientando a sua participação ativa na vida política do país. Apenas em uma ocasião esteve “do outro lado do balcão” – referência a jornalistas que atuam em governos. Ele foi secretário de Imprensa do presidente Jânio Quadros, que em poucos meses surpreendeu a Nação renunciando ao cargo alegando pressão de “forças terríveis” que jamais nominou. Na apresentação do livro de Marchi, o jornalista Merval Pereira diz que “Castelinho” era frio, pragmático e sabia lidar com as autoridades de Brasília sem perder de vista sua condição de repórter, o que sempre surpreendia seus interlocutores. Não se sentiu limitado a exercer seu poder de crítico sobre a eleição de Jânio Quadros, mesmo já tendo sido nomeado seu secretário de imprensa e, depois da renúncia, continuou acompanhando a vida política de Jânio sem poupar-lhe críticas quando considerava necessário.
Carlos Marchi conta que uma técnica que “Castellinho” depurou como ninguém foi a capacidade de cruzar informações sem perder a essência do principal. “Parece simples, mas acabou sendo o único que criou um novo estilo entre os muitos que fizeram comentário ou crônica política nos anos do pós-guerra, e criou em torno de si uma aura de prestígio e profundo respeito”, acrescenta. Marchi nota que escrever sobre política não era a opção preferencial de Castello, que queria mesmo ser romancista. “Mas acabou tragado pela sina, pela vocação natural e pelo próprio talento. No entanto, para escrever sobre política, bebia na fonte do romance. Costumava dizer que sua religião o levava a “rezar” todos os dias de manhã – antes de sair de casa para o trabalho, lia uma página de Machado de Assis; quando era mais novo, lia uma página de Mário de Andrade. E saía transformado, pelo que de melhor se escreveu no Brasil numa e noutra épocas”.
Na rotina em sua sala no “Jornal do Brasil” em Brasília, onde chegava às 8h da manhã, a primeira coisa que “Castelinho” fazia era decifrar as palavras cruzadas de todos os segundos cadernos dos jornais do dia. Gostava de encontrar os seus jornais intocados – não lia exemplares já folheados por outra pessoa. Um dia foi até a redação, o que não fazia com frequência, e pediu ao secretário de redação André Marques o seu exemplar de O Globo. André asseverou que o jornal estava na mesa de Castellinho. Já meio irritado, Castello rebateu: “Mas como? Os jornais agora já vêm com as palavras cruzadas decifradas?”. E pediu que André mandasse comprar outro exemplar na banca mais próxima. André não sabia que as palavras cruzadas eram uma obsessão de “Castellinho” e inadvertidamente as tinha decifrado mais cedo. Era uma rotina monástica a do colunista. Depois das palavras cruzadas, lia os jornais e colocava as laudas de marcações em verde na Olivetti e escrevia a coluna. Não precisava apurar mais nada – já chegava, na maioria dos dias, com o texto pronto na cabeça. Quando acabava de escrever as 75 linhas, revisava o texto com a caneta – poucas mudanças eram acrescentadas com sua letra pequena e arredondada. Antes do meio-dia estava pronta a Coluna do Castello do dia seguinte.