Linaldo Guedes
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Quanto mais leio poetas como Lau Siqueira, mais percebo o quanto é difícil ser um poeta tão talentoso e fácil de se ler, como ele; ao passo que é fácil ser um poeta tão fraco e difícil de se compreender, como muitos que se acham iluminados e injustiçados com suas “genialidades” publicadas. A verdade é que poesia não é tese, é arte. Poesia tem que ter inventividade, mas tem que ser legível também para o leitor.
“O inventário do pêssego” (Casa Verde, 2020) é uma boa oportunidade de confirmar o que está escrito no parágrafo anterior. A obra traz seleção de textos de cinco livros do autor, mas alguns poemas inéditos. Uma antologia bem particular, que traz poemas clássicos de Lau Siqueira – como “Aos predadores da utopia” – e outros que quem acompanha sua produção poética já conhece. Quem não acompanha, vai conhecer um poeta que consegue ser discursivo e inventivo, marginal e concretista, clássico e vanguardista. Um poeta que sabe todos os recursos literários possíveis para fazer uma das melhores poesias contemporâneas brasileira.
O livro começa com “O comício das veias” (1993). É a primeira obra de Lau Siqueira, lançada, na época, em parceria com a jornalista e escritora Joana Belarmino. Nela, já se encontra o cartão de visitas do poeta gaúcho, que adotou e foi adotado pelo estado da Paraíba: poesia concisa, irônica, que sabe brincar com a linguagem, sobretudo. Senão, vejamos o poema “Cobaia”:
não existem feridas
que não cicatrizem
mas a marca funda
de um olhar amargo
dói como a dor de
um bicho esmagado.
“O guardador de sorrisos” (1998) foi, talvez, o livro que catapultou o nome de Lau Siqueira para os leitores de poesia no Brasil contemporâneo. Poemas como “Síntese”, “Carapuça”, “O guardador de sorrisos” e “Pornografia brasileira” tornaram-se conhecidos via blogues e outros canais alternativos que, junto com o livro, tornaram Lau Siqueira um poeta it. É deste livro “Aos predadores da utopia”:
dentro de mim
morreram muitos tigres
os que ficaram
no entanto
são livres.
“Sem meias palavras” (2002) é o livro seguinte, mas com a mesma pegada característica de Lau Siqueira. Aqui, no entanto, há uma preocupação, digamos, mais social do poeta. Isso se percebe em poemas como “Condição perene” e no longo e lírico “As flores mallarmaicas”. Há poemas existenciais, também, sobre a morte e sobre Deus (“dizem que ele vive em tudo”).
De 2007 chega o livro “Texto sentido”. Neste, a experimentação de Lau Siqueira abandona um pouco a poesia curta, concisa, quase epigrama às vezes, para se aventurar em poemas longos. E que bela aventura ele proporciona ao leitor! Poemas como “Figo maduro”, “Teia”, “Pequenas chuvas”, “O discurso da pele”, “Círculo do sol” e “Bobo da corte” mostram que Lau Siqueira tem segurança e domínio da linguagem. Sabe ser discursivo sem perder o estilo que vem desde o primeiro livro, aquele cartão de visitas que falo no início desse texto.
A última seção de “O inventário do pêssego” traz poemas inéditos do autor, com a mesma variação entre poemas curtos e longos, entre a vanguarda e o clássico. “Viver é um punhado de coisas espalhadas pelo tempo. Vivemos recolhendo achados e perdidos”, diz Lau Siqueira em texto de apresentação do livro. Digamos que seus livros são um punhado de poemas espalhados pelo vento, com achados e linguagem que o coloca no primeiro time da literatura brasileira atual.
Linaldo Guedes é poeta, jornalista e editor. Com 11 livros publicados e textos em mais de trinta obras nos mais diversos gêneros, é membro-fundador da Academia Cajazeirense de Artes e Letras (Acal), mestre em Ciências da Religião e editor na Arribaçã Editora. Reside em Cajazeiras, Alto Sertão da Paraíba, e nasceu em 1968.
Lau, o maior paraibaúcho que conheço! Eu sou pernambucaíba.