Kubitschek Pinheiro
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Jamais seremos os mesmos. Nem como nossos pais. Outro dia lembrei da minha mochila, precisamente o road book de Kerouac, que eu lia enquanto esperava o ônibus que me levava a cidade. Eu ia, eu ai, eu lia e eu crescia sob o orvalho das manhãs da Avenida Beira Rio. Poucas vezes fui pela Avenida Epitácio Pessoa. Eu sempre gostei das árvores da Beira Rio
Assim li On the Road (no Brasil, Pé na Estrada) numa edição antiga que guardo, anotada a lápis tinta. E embora depois tenha esquecido o livro, durante muito tempo a minha representação na cidade, foi e sempre será, de um homem de bem, que a vida me ofereceu. Mas sou politicamente incorreto.
O pôr do sol vermelho atrás do Pavilhão do Chá, a imensidão dessa luz, o vento quente embalando minha camisa de algodão. Eu adorava ver as casas com jardim, beatas, meninos e mulheres corroendo o chão que nunca teve o odor devasso de uma grande cidade. João Pessoa cresceu pro lado do mar brilhando como uma joia, o vegetal, que Zé Américo lembrou e a bagunça das barracas da orla, tocando às claras, o som barulhento de cidades suburbanas…
Vamos devagar com a mochila, que o tempo urge. “As únicas pessoas autênticas, para mim, são as loucas, as que estão loucas por viver, loucas por falar, loucas por serem salvas, desejosas de tudo ao mesmo tempo, que não bocejam, mas ardem, ardem, ardem como fabulosas grinaldas amarelas de fogo-de-artifício a explodir”, revela Kerouac no romance. É demais!
Uma justificação para a aventura, para o desvario, para o desregramento dos sentidos que havia de levar à escrita do livro em 1951 (mas que seria publicado em 1957), num ritmo alucinante alimentado a café e ao som do jazz improvisado, como se fosse um Proust, que eu continuo até hoje agarrado a sua saia cleptomaníaca, procurando na sombra, as raparigas em flor. “Só que mais rápido”, como Kerouak gostava de afirmar.
Jamais seremos os mesmos. Cá estou na minha poltrona escrevendo sem parar, como se datilografando num parágrafo único, sem pontuação numa fita preta e vermelha.
A minha vida é assim, abandonei a mochila, porque consegui comprar um C3, que está na garagem: só sai na marra. A vida é assim, eu falo por mim. Mas saibam que meu pai estava certo, quem não vai, fica. Mas nesse momento precisamos ficar em casa, para depois ganhar às ruas e abraçar as pessoas, os fernandos, Ana e adelaides, as Leilas, Cristinas, Julienes, Jorias, Lourdinhas e Socorrinhas. Os amigos Pedro, Pedrina, Maricotinha, Rosa, morena Rosa…
Até quinta.