Nonato Guedes
O advogado e ex-juiz Márlon Reis, um dos fundadores do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral, que ficou conhecido por ter sido um dos articuladores da coleta de assinaturas para o projeto popular que resultou na Lei da Ficha Limpa, chamou de absurda e oportunista a proposta de unificação de todas as eleições a partir de 2022. Segundo ele, a proposta conta com o apoio de “setores atrasados do Parlamento, liderados por ninguém menos que Aécio Neves-PSDB(MG)”. A desculpa, conforme Márlon, é a de tornar possível a canalização dos recursos destinados ao Fundo Especial de Financiamento de Campanhas, jocosamente apelido de “Fundão”, para o enfrentamento do coronavírus.
Em artigo publicado no site “Congresso em Foco”, Márlon adverte que são muitos os erros em que incidem os defensores dessa ideia. O primeiro consiste em tirar proveito do momento atual, de crise humanitária, para a condução de uma ideia oportunista. “A defesa de uma mudança dessa magnitude em plena pandemia é de um descaramento atroz”, opina Márlon, acrescentando que a unificação dos pleitos possui, em si, muitas outras contraindicações. A primeira diz respeito à Constituição Federal. O mandato de prefeitos e vereadores tem duração certa de quatro anos, conforme previsto no inciso I do artigo 29 da CF. Isso significa que, para que haja ampliação do mandato para tais cargos, é preciso que se aprove Proposta de Emenda à Constituição, com todos os rigores exigidos para tanto, o principal deles diz respeito às cláusulas de barreira.
Márlon explica que o artigo 60 estipula que não será objeto de deliberação pelo Congresso Nacional a proposta tendente a abolir, dentre outras instituições democráticas, a periodicidade do voto. E adianta: “Veja-se: a Constituição não impede apenas a aprovação de proposta que efetivamente fulmine o voto periódico, bastando apenas que a iniciativa seja tendente a propiciar tal efeito. Uma proposta que amplia em cinquenta por cento a duração de um mandato abre precedente para que depois se decida pela sua dobra. Ou permite até que este seja encurtado por uma maioria congressual descontente com o exercente transitório de um determinado cargo eletivo. À vista disso, posso afirmar que a periodicidade a que alude a Constituição é exatamente aquela já definida no próprio texto da Lei Fundamental. Essa é a única forma de evitar casuísmos como aquele que no momento se engendra”.
O advogado e ex-juiz salienta que a Constituição, sabiamente, separou as eleições municipais das eleições estaduais e federais. “Com efeito, a unificação dos processos eleitorais diminuiria ainda mais a qualidade do debate político, forçando os eleitores a terem que refletir sobre o preenchimento de até sete cargos distintos. Imagine como seria a propaganda no rádio e na televisão! O prejuízo para o esclarecimento do eleitor seria evidente”. Por outro lado, segundo Márlon, o debate político nas eleições municipais é essencialmente distinto daquele travado nas eleições gerais. “É importante manter separadas eleições que, por natureza, provocam reflexões políticas distintas. No âmbito do município, prevalecem as questões de grande relevância local. O preenchimento dos demais mandatos se prende a questões bem diversas, de envergadura muito mais abrangente e por vezes mais abstratas, tais como os rumos da economia”.
A periodicidade das eleições, como definida na Constituição – diz Márlon Reis – convida os eleitores a voltarem às urnas com uma frequência adequada e plenamente justificável. A ideia de realizar eleições apenas de quatro em quatro anos, como alguns defendem, produziria uma sociedade pouco acostumada às urnas e, por conseguinte, à participação cívica. As eleições municipais constituem um mecanismo de controle que permite aos eleitores aprovarem ou rejeitarem apoio nas urnas às políticas propostas por presidentes e governadores. “Elas fazem parte do sistema de freios e contrapesos próprios da democracia. Além de tudo isso, caso fosse definido que se passaria tanto tempo sem eleições, o passo seguinte seria muito provavelmente a extinção da Justiça Eleitoral. As ações eleitorais por compra de votos ou caixa dois, por exemplo, cairiam na vala comum do Judiciário, gerando uma grande onda de impunidade. Penso que se houver necessidade do adiamento do pleito previsto para este ano, as novas datas devem ser definidas ainda para novembro ou dezembro deste ano. Esta mudança episódica não abalaria a duração dos mandatos já definida na Lei Fundamental. Tudo isso deve nos levar a nos opormos com todas as energias a essa iniciativa estapafúrdia de unificação das eleições”, arremata o ex-juiz Márlon Reis.