Nonato Guedes, com agências
O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) manifestou-se de forma dúbia, ontem, em ocasiões diferentes – num pronunciamento oficial pela TV e numa entrevista ao “Brasil Urgente”, de José Luiz Datena, da Band. O tom mais formal do pronunciamento não mostrou recuo ou ponderação em relação aos posicionamentos recentes feitos pelo presidente acerca das medidas que devem ser tomadas para enfrentamento ao coronavírus – antes, reforçou o comportamento demonstrado na semana passada quando investiu contra os governadores e contra o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. A Datena, ontem, o presidente disse, enfático, que tem analisado a possibilidade de flexibilizar o isolamento social no Brasil via decreto. Bolsonaro voltou a ser alvo de protestos durante o pronunciamento em rede nacional de rádio e televisão. Moradores de várias cidades do Brasil foram às janelas para bater panelas, xingar e pedir a saída de Bolsonaro da Presidência.
– Tem que respeitar a Federação, os Estados e municípios, mas não podemos viver em um clima de guerra também, com toque de recolher. Algumas cidades já começaram a flexibilizar o isolamento social, já têm aumento de trânsito, aos poucos as coisas vão se normalizando – declarou na entrevista por telefone, direto do Palácio do Planalto, ao “Brasil Urgente”. A fala foi uma referência às medidas de restrição social adotadas por vários Estados e que nas últimas semanas têm sido ponto de tensão crescente na relação com os governadores, em especial João Doria (PSDB-SP) e Wilson Witzel (PSC-RJ), que o presidente diz terem “medinho” da doença, conforme revela o UOL Notícias. Na mensagem oficial, Bolsonaro reportou-se à mesma questão em tom mais ponderado. “Respeito a autonomia de governadores e prefeitos. Muitas medidas, de forma restritiva ou não, são de responsabilidade dos mesmos. O governo federal não foi consultado sobre sua amplitude ou duração”.
A fala oficial não mencionou, contudo, o decreto que ele disse estar “pronto” na entrevista da tarde. “Estou estudando se assino ou não assino, porque vou ter um problema enorme na Justiça e com o Legislativo”, afirmou a Datena. A justificativa dada para as críticas ao isolamento é o impacto econômico da redução nas atividades impostas pelas restrições à circulação de pessoas e reabertura de lojas e outros estabelecimentos comerciais. Disse Bolsonaro: “As consequências do tratamento não podem ser mais danosas que a própria doença. Os mais humildes não podem deixar de se locomover para buscar seu pão de cada dia”. Na tarde de ontem, Bolsonaro teve uma reunião com o ministro da Saúde para apaziguar a relação que quase culminou, nos últimos dias, na demissão do chefe da pasta. Até o encontro, interlocutores do presidente haviam dito à “Folha de S. Paulo” que ele ainda estava disposto a exonerar Mandetta.
Entretanto, no final da tarde, Mandetta relatou um “bom clima” e chamou o superior de “parceiro”. O ministro, que vinha se mostrando reticente à adoção da cloroquina pela falta de embasamento científico e que tinha se negado a assinar um decreto sobre o uso da substância, negou ontem, após o encontro, que tenha sido pressionado pelo presidente para liberar a droga, ainda que de forma experimental. Os dois também tiveram de chegar a um acordo sobre o isolamento social. Ao falar sobre a crise no pronunciamento oficial à noite, o presidente parece ter resumido o recado que transmitiu ao ministro da Saúde na conversa que tiveram: “Tenho a responsabilidade de decidir sobre as questões do país de uma forma ampla, usando a equipe de ministros que escolhi para conduzir os destinos da nação. Todos devem estar sintonizados comigo”.