Nonato Guedes, com UOL
Inconformado com a redução do seu salário, como parte das medidas de contenção adotadas por empresas na atual fase de disseminação do coronavírus, o apresentador Matheus Ribeiro pediu demissão na tarde de ontem da TV Anhanguera, afiliada da Rede Globo em Goiás. Ele se projetou nacionalmente ao se tornar, no ano passado, o primeiro jornalista assumidamente gay a ocupar a bancada do “Jornal Nacional”, afirma o colunista Leo Dias, do UOL. Matheus dividiu a apresentação do JN com a jornalista paraibana Larissa Pereira, apresentadora do JPB Segunda Edição na TV Cabo Branco, afiliada da Globo no Estado.
Os dois fizeram parte, na época, do rodízio instituído pela direção de jornalismo da Globo na bancada do JN entre apresentadores de telejornais regionais, ao ensejo das comemorações dos 50 anos do noticioso de maior audiência na televisão brasileira. Como reflexo da aparição em rede nacional, Matheus foi escalado como um dos plantonistas de fim de semana do “Jornal Nacional”. Ele era âncora do “Jornal Anhanguera – Segunda Edição” há quatro anos e igualmente fazia participações em diversos telejornais da Globonews. Além disso, atuou como repórter da afiliada goiana da Globo por dois anos.
A saída de Matheus, que não concordou com uma redução substancial de seu salário em virtude da crise provocada pelo coronavírus, foi comunicada aos colegas por Brenda Freitas, diretora de Jornalismo da TV Anhanguera. O jornalista Luciano Cabral, que comandava a edição do Jornal Anhanguera produzida para o interior do Estado, é o mais cotado para assumir a vaga de Matheus Ribeiro, que se demitiu no “Dia do Jornalista”. Ele, porém, está em período de quarentena. Diante da situação, caberá a Suelen Reis, do Bom Dia Goiás, apresentar o principal telejornal da emissora temporariamente. Em carta para Brenda Freitas, Matheus queixou-se de perseguição por parte da direção da emissora, tendo recebido sucessivas punições e advertências nas últimas semanas. As queixas sobre seus vencimentos vinham sendo feitas antes mesmo da redução imposta há uma semana.
Na íntegra, a carta de demissão de Matheus Ribeiro, enviada por e-mail para a TV Anhanguera:
“Brenda,
Diante de todos os fatos das últimas semanas, irei solicitar a rescisão indireta do meu contrato de trabalho com a emissora. A forma como venho sendo tratado aqui, as restrições que vêm sendo impostas, as ilegalidades que foram cometidas e o tratamento incompatível à minha entrega como âncora do principal jornal da casa me obrigam a tomar essa decisão. Você sabe mas não custa lembrar;
1) Há um mês, você mandou o chefe de redação aplicar uma advertência a mim por causa de uma foto com a moça com quem faço massagem, com o argumento de que isso seria “publicidade”. Além da estultice na interpretação (já que tenho dezenas de fotos com a dona Elna, nossa maquiadora, e isso nunca foi visto como divulgação alguma), a emissora parece não saber o valor de seu profissional. Eu não faria publicidade por uma massagem que custa 100 reais. Postei a foto porque é alguém que eu gosto e redes sociais servem para compartilharmos nosso dia a dia.
2) Você mandou cortar meu salário sem me avisar, após fazer pressão para cumprir uma carga horária que, na prática, nunca existiu. Se havia horas-extras contratuais no meu salário, isso foi um cambalacho que a própria empresa arrumou para compensar o salário ínfimo que sempre me foi pago. Nem eu, nem os demais colegas do Jornalismo temos a obrigatoriedade de bater ponto, devido às mudanças diárias feitas nos nossos horários. Está documentado. Mesmo assim, ilegalmente, usaram o controle de acesso da catraca como argumento. Se eu mesmo disse que o caminho era cortar essas horas-extras, esperava uma postura sensata da direção, em respeito à minha dedicação e história na casa. Com colegas que exercem funções inferiores à minha e não entregam o resultado que eu entrego ganhando salários acima de 15 mil reais, a TV me pagar um salário de R$ 3.900,00 é acintoso.
3) A pressão para que eu deixasse de exercer atividades na minha empresa que sequer têm conflito ético com minha atuação jornalística. Há mais de um ano, você e demais diretores têm total ciência de que minha empresa comprava mídia para alguns clientes aqui no grupo. Considerava até que isso era bem visto, já que informei que não havia outros veículos de comunicação nos planos de mídia desenvolvidos pela minha agência: sempre trouxe a verba de meus clientes para esta empresa, pela qual sempre tive gratidão e apreço. O pedido do Ronaldo para que eu fizesse uma escolha entre o jornal e os meus contratos de mídia foi desrespeitoso, já que sempre houve conhecimento pleno das atividades que desenvolvo;
4) Por fim, mas não menos lastimável, esse cabresto ridículo que a direção deseja impor sobre minha atuação nas redes sociais, algo que foi e é bastante explorado pela emissora para beneficiar seus produtos. Tenho o maior número de seguidores entre os nossos colegas, minhas redes superam as da própria emissora, tenho uma relação legal com o meu público, converto isso em resultados para o jornal. Me proibir de fazer uma live para conversar com meus amigos e bater papo com os seguidores beira a censura desmotivada, pelo simples prazer de exercer o poder. Some a tudo isso problemas antigos, que jamais foram “lembrados” nas nossas conversas, como o fato de eu apresentar o jornal há anos e ter no meu contrato a função de repórter. Eu cheguei aqui um menino cru e precisando aprender. Sou muito grato pelas oportunidades que me foram dadas e creio que demonstrei isso por um bom tempo. Só que há tempos essa relação está desigual e tóxica. Estou infeliz com este ambiente de trabalho, me sinto desrespeitado, menosprezado e subutilizado.
Matheus Ribeiro já estava convocado para reassumir a bancada do Jornal Nacional em mais duas ocasiões este ano: a primeira seria daqui a exatamente um mês, em 9 de maio.