Nonato Guedes
O presidente Jair Bolsonaro está nitidamente obcecado pela ideia de exonerar o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, que não se alinha com ele na concepção das medidas de enfrentamento à crise provocada pelo coronavírus, mas, ao mesmo tempo, revela-se impotente na decisão de se ver livre do auxiliar. É singular na história política do país o caso em que um presidente da República sente-se algemado no propósito de defenestrar um ministro de quem não gosta. O capitão tornou-se prisioneiro do ministro porque Mandetta vem sendo proativo na execução de ações preventivas da disseminação do coronavírus, que se espalha em proporções inquietantes, de São Paulo ao Ceará. Tirar o ministro em plena crise é uma temeridade, um risco que o presidente não se abala a encarar.
Patrulhas pseudo-ideológicas que adoram se digladiar nas redes sociais discutem o perfil político de Mandetta, numa orquestração engendrada para desqualificá-lo como suposto “herói” em situação de calamidade que assombra a todos e reforça teses como a do isolamento social no pacote para debelar essas primeiras ondas do coronavírus que estão pipocando no Brasil.Não há nada a esconder da parte do ministro da Saúde – o fato de ser filiado ao DEM, sucedâneo do antigo “Pêfêlê”, serve como régua para balizar suas posições na conjuntura política brasileira. Mas convém lembrar que mesmo no DEM há figuras progressistas, algumas até mais progressistas do que expoentes que se jactam de serem esquerdistas. Por outro lado, não se acredita, na sociedade, que Mandetta seja “candidato” a “herói” – ele não deixa transparecer tal ambição.
O que ocorre é que a “politicagem” tem predominado com força na atual crise sanitária que o governo de Bolsonaro controla mal, a partir da falta de unidade no seu círculo quanto às providências a serem tomadas. O cavalo de batalha em torno do fim do isolamento social, com a retomada das atividades comerciais, é o grande erro do presidente, o grande mau exemplo que ele proporciona, na forma com que conceitua esse ponto de vista. Não está de todo errado o mandatário, senão no estilo com que opera e como se pronuncia, recorrendo a bravatas, a metáforas de mau gosto e a gestos explícitos de desobediência, como o de ir a padarias e abraçar transeuntes, com eles deixando-se fotografar, sem qualquer noção de perigo ou de risco iminente. Essa postura de Bolsonaro queima a sua credibilidade e leva insegurança a uma população que carece, urgentemente, de notícias tranquilizadoras.
Ontem, alguns governantes de países da Europa se manifestaram com vistas a prolongar por mais um período, neste mês de abril, a fase de quarentena adotada com a eclosão da pandemia do novo coronavírus. Agem assim porque se deixam guiar pela sensatez, pelo equilíbrio, pela ponderação, atributos que inexistem na personalidade de Bolsonaro, como estão descobrindo, agora, os que votaram nele e até então estavam cegos para a realidade de atitudes kamikazes típicas de quem flerta com o perigo permanentemente. Os governantes europeus não descartam a flexibilização das atividades econômicas e sociais, mas mantêm as rédeas da situação porque têm compromisso com a História e nela não pretendem entrar como irresponsáveis, muito menos como omissos ou coniventes com agravamento de calamidades.
Por trás do comportamento de Bolsonaro estão dois fatores; 1) o seu despreparo para lidar com adversidades de grande dimensão; 2) a sua obsessão em se credenciar, em plena crise grave, a um novo mandato como presidente numa eleição que está prevista para acontecer dentro de pouco mais de dois anos. Este segundo ponto faz com que Bolsonaro identifique ou enxergue adversários capazes de derrotá-lo em qualquer esquina. Já revelara esse temor quando do protagonismo alcançado pelo ministro Sérgio Moro, da Justiça e Segurança Pública; agora, está perdidamente enciumado com Mandetta, que, além do mais, desafia ostensivamente a sua autoridade de presidente da República quando recomenda medidas que devem ser tomadas pelo caráter profilático de que se revestem.
Não é o caso de clamar pela volta de Lula, como fazem alguns acometidos de falta de memória ou adeptos escrachados do maniqueísmo político. É preciso notar que o papelão tristemente protagonizado pelo presidente Jair Bolsonaro não consegue ir longe porque, felizmente, instituições como o Congresso e o Judiciário estão colocando freios nos ímpetos autoritários do capitão. A precária democracia que temos ainda é o motor que sustenta a sobrevivência da Nação em tempos de pandemia, podem acreditar!