Nonato Guedes
O ex-ministro da Fazenda, Maílson da Nóbrega, defende que na atual crise que o país enfrenta a reforma administrativa merece ter prioridade, observando que ela reduzirá gastos públicos e privilégios mas que seu foco precisa ser o fortalecimento do Estado com vistas a formular e executar políticas públicas e prestar serviços de qualidade à população. Em artigo na revista “Veja”, o economista paraibano salienta que a reforma é essencial, também, como antídoto ao “clientelismo político” que ora possibilita contratações de funcionários sem mérito mas por apadrinhamento.
Maílson afirma que a primeira reforma no Brasil, em 1938, criou o Departamento Administrativo do Serviço Público (Dasp). Seu objetivo era fornecer assessoria técnica ao presidente da República e elaborar a proposta orçamentária da União. Apesar de reformas posteriores, o país ainda não possui um amplo serviço profissional, ressalta, citando que no governo de Fernando Henrique Cardoso a criação da carreira de gestor, baseada no serviço público francês, formou quadros federais de melhor qualificação, mas depois pouco se avançou. “Há, hoje, mais de 300 carreiras, muitas delas verdadeiras castas com elevadíssimos salários iniciais, que podem superar em 80% os percebidos no setor privado para funções e responsabilidades semelhantes. Apesar do concurso público, a cara do clientelismo está nos mais de 22 000 cargos de indicação política nas repartições federais e muito mais do que isso nas dos Estados e municípios”, analisa.
O economista referiu-se ao cientista político americano Francis Fukuyama, que analisou reformas que fortaleceram o Estado nos segmentos civil e militar. E diz que no livro “PoliticalOrderandPoliticalDecay”, de 2014, vê-se que na China, dois séculos antes de Cristo, já havia a seleção de servidores por concurso público. “A burocracia era alfabetizada, bem-educada e organizada em hierarquia funcional”, relatou Fukuyama, levando Maílson a completar: “Não à toa, a ascensão de impérios e de potências muito se deveu a um serviço público profissional guiado pelo critério do mérito”. Prossegue dizendo que o Estado moderno surgiu na Prússia e entre suas reformas a de 1770 introduziu o concurso público. Com o fim de privilégios da nobreza, em 1807,pessoas talentosas de todas as classes tornaram-se funcionários. Após a unificação alemã, em 1871, os servidores foram blindados contra interferência política.
Maílson conta que na França a revolução de 1789 foi a base para a reforma administrativa. Com a profissionalização e a seleção por concurso, o servidor tornou-se instrumento do poder público e não um agente do rei. No Reino Unido, a reforma origem no Relatório de Northcote-Trevelyan (1854) que previa eliminar indicações políticas e instituir a admissão por concurso público. Ela inspirou os Estados Unidos e outros países herdeiros de tradições britânicas. Tais reformas contribuíram bastante para acabar com o clientelismo político, que, no caso americano, atingiu o pico logo antes da Guerra Civil (1861-1865). Em 1849, o presidente Zachary Taylor substituiu 30% de todos os funcionários federais. Maílson conclui opinando que no Brasil a reforma administrativa em cogitação deverá fortalecer a capacidade operativa do Estado, o que inclui a formação de quadros técnicos qualificados para prestar bons serviços, inclusive na área da saúde. E conclui:“Na Ásia, os êxitos no enfrentamento da pandemia da Covid-19 muito se explicam por uma burocracia profissional e competente”.