Nonato Guedes
Lembram-se do ministro Joaquim Barbosa, o relator do tristemente famoso “mensalão” do PT e de partidos consorciados, que constituiu um “ponto fora da curva”, no dizer do ministro Ayres Brito? Joaquim, o primeiro negro a compor o Supremo Tribunal Federal e ascender à sua presidência, por nomeação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que tinha lá seus “insights” em relação à diversidade, foi cortejado por parcelas expressivas da sociedade brasileira como candidato ideal à Presidência da República. Assediado por partidos e líderes políticos, mas demonstrando a mais absoluta falta de empatia com essa atividade, o eminente jurista não decolou. Sumiu até do noticiário, sem ser ouvido nem cheirado para nada – nem para opinar sobre o impacto do coronavírus.
O Brasil tem disso. De tempos em tempos, alguma figura sobressai no cenário desgastado que acolhe políticos carreiristas e é “puxada” pelos holofotes como “a alternativa”. Juízes, economistas, médicos, empresários são tomados de empréstimo por segmentos desencantados com “tudo isso que está aí” e com os representantes que colocaram “lá” na expectativa de que fizessem a diferença ou que conseguissem levar este País a cumprir seu ideal. O ex-juiz Sérgio Moro já viveu seus instantes de “queridinho da vez”, quando se projetou à frente da Operação Lava-Jato e teve a coragem de pôr na cadeia por 580 dias o ex-presidente Lula da Silva. Hoje ministro da Justiça e da Segurança do governo Bolsonaro, Moro está eclipsado completamente, anulado em termos de visibilidade, descartado como opção para o Palácio do Planalto. Diga-se, a bem da verdade, que o próprio presidente Bolsonaro se encarregou de esvaziar Sérgio Moro – tal como tenta fazer, hoje, com Luiz Henrique Mandetta, da Saúde. O capitão detesta quem brilhe mais do que ele no seu planeta particular.
Além dos “apolíticos” ou dos denominados “outsiders”, que acabam entrando em partidos para poder conquistar a Presidência ou outros mandatos eletivos disponíveis, há políticos por vocação e políticos “de ocasião” que costumam passar um bom tempo na mídia na confortável posição de “presidenciáveis”. Luiz Eduardo Magalhães (ex-PFL) foi um deles. Filho do cacique baiano Antônio Carlos Magalhães, foi presidente da Câmara dos Deputados e entrou na lista de cotados para disputar a Presidência da República, com a simpatia declarada de gente como Fernando Henrique Cardoso, que acabou sendo presidente por duas vezes. (Aliás, Fernando Henrique foi chamado por Fernando Collor para ser um dos seus ministros. Recusou e acabou aceitando ser ministro de Itamar Franco. Consagrou-se aí). Quanto a Luiz Eduardo, morreu precocemente, de problemas de saúde, frustrando a legião que apostava fichas nele como “uma esperança”.
Outro caso emblemático foi o do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, do PSB, neto do ex-governador Miguel Arraes, uma legenda na esquerda brasileira. Ele chegou a viajar pelo país na pose de pré-candidato a presidente da República em 2014 e contagiou fatias do eleitorado prostradas diante da falta de boas opções, num cenário tão combalido no sistema institucional brasileiro. Largou em terceiro lugar nas pesquisas de intenções de votos, mas tendia a crescer sensivelmente, diante do carisma que emanava e do profissionalismo com que buscava cercar seu “staff” para tentar empalmar votos de eleitores do Sudeste e do Nordeste. Remotamente, parecia um Juscelino Kubitscheck da Era das mídias digitais e das redes sociais. Impulsionou seu projeto quando, na véspera de morrer, foi entrevistado no “Jornal Nacional” e legou ao grande público o perfil de um conhecedor dos problemas e um visionário de soluções. Intercalava sua fala com pregações messiânicas, de otimismo, de confiança no Brasil.
Eduardo Campos morreu no dia 13 de agosto de 2014, em acidente aéreo em São Paulo. Houve comoção e perplexidade – pela tragédia em si e pela esperança que se esvaía com o desaparecimento de uma das raras lideranças de prestígio na paisagem desoladora que se experimentava. O neto de Arraes chegou a preocupar seriamente o Partido dos Trabalhadores exatamente porque se constituía, em tese, na figura do “novo”, tal como Luiz Inácio Lula da Silva representou “o novo” já em 1989 e destronou lideranças anciãs do páreo como o festejado Ulysses Guimarães, Senhor Diretas, Senhor Constituição, que caiu em depressão ao constatar que tivera menos votos do que o doutor Enéas Carneiro, o folclórico candidato de um partido que tinha nome de remédio: “Prona”. A morte de Eduardo Campos abriu caminho para a reeleição de Dilma Rousseff, que, como sabemos, deu no que deu…
Há um outro episódio – igualmente traumático, na vida pública brasileira: a morte de Tancredo Neves, o único civil eleito por via indireta nos estertores do regime militar, com a missão, exatamente, de virar a página e escrever capítulos da nova ordem democrática. O Brasil acordou perplexo com José Sarney na presidência. Infelizmente, confirmara-se a profecia: política é destino!Ou horóscopo, para quem acredita. Pergunta-se se nesta crise da pandemia do coronavírus está sendo fermentada alguma liderança “presidenciável”. Por enquanto, há perguntas, apenas. João Doria seria “a alternativa”? Ou Luiz Henrique Mandetta, que desafia abertamente o presidente Bolsonaro? Façam suas apostas, ou não, até porque, como dizem os mineiros, política é como nuvem: numa hora, está de um jeito; em outra hora, está de outro jeito…