Nonato Guedes
Há quem acredite, como o jornalista Xico Sá, que a briga sustentada pelo presidente Jair Bolsonaro com seu ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, a propósito da fórmula ideal para enfrentar o coronavírus, é um jogo combinado entre ambos com objetivos diversionistas. Teria a função precípua de desviar a atenção da opinião pública quanto à fragilidade do governo para prevenir ao máximo possível a ocorrência de casos fatais provocados pela covid-19. Xico Sá parte da análise de que Mandetta não é um cientista qualificado nem um político de expressão. Fia-se, também, na origem partidária do ministro, militante do DEM, para associá-lo a posturas conservadoras e, ideologicamente, reacionárias. Um igual a Bolsonaro, com a diferença de que este faz o gênero “estouvado”, que às vezes faz sucesso em política.
Para além de comparações e de exegeses que se tente fazer acerca do comportamento dos dois homens públicos, há o fato concreto de que eles estão oferecendo um triste espetáculo ao mundo e travando um “tour de force” que só piora a situação do Brasil, um País com problemas continentais graves na Saúde Pública, que nunca logrou ser modelo ou exemplo para o mundo. Ainda agora, no Reino Unido, o primeiro-ministro, que foi contaminado pelo coronavírus e atacava a rede pública de Saúde, teve alta e saiu do hospital elogiando o “SUS” da Grã Bretanha. Impensável, no Brasil das últimas décadas, a existência de um sistema público de saúde eficiente, operoso, proativo, no atendimento à população mais carente. Não são apenas as longas filas em portas de unidades médicas que compõem a radiografia do Brasil doente, mas a deficiência em número de leitos, de medicamentos e de equipamentos, em paralelo com a péssima remuneração atribuída a profissionais que são obrigados a se alternar em plantões para sobreviver de forma minimamente condigna.
Mesmo hospitais da rede privada, que no Brasil são preferidos pelos membros da elite e camadas intermediárias porque teoricamente atendem com mais presteza, turbinados por planos de saúde, estão deixando de ser ilhas de excelência porque enfrentam entraves criados pelo próprio Estado – conhecido entre nós pela sua capacidade extraordinária de sempre atrapalhar e dificultar a vida do cidadão, nunca de facilitá-la, apesar da ganância com que avança na cobrança de impostos. Médicos e profissionais de Enfermagem revelam-se cada vez mais desestimulados diante do notório descompromisso de governos seguidos com a questão da Saúde, tão alardeada nas campanhas como prioridade número um e tão desprezada, quando não violentamente sucateada, quando candidatos tornam-se governantes.
O Brasil está tendo a infelicidade de passar pelo estágio do coronavírus sem dispor de uma estrutura operacional que dê suporte às medidas profiláticas consideradas indispensáveis para evitar que o País figure negativamente na curva da pandemia que assola as gerações atuais. Além de desequipado para fazer face a uma calamidade que ninguém, obviamente, tinha o condão de prever, o País se defronta com um problema recorrente na sua história – a politicagem, transmissora do vírus da falta de espírito público, que se associa ao despreparo de governantes no manejo de crises de tamanhas proporções. O presidente Bolsonaro, além de despreparado, ainda hoje constitui incógnita para milhões de brasileiros sobre propostas para desafios distintos – dado que, na campanha eleitoral, fugiu a debates, esquivando-se de ser confrontado com questionamentos em torno de alternativas ou soluções para esse ou aquele problema.
Como corolário da escolha feita pela maioria dos eleitores, há um festival de erros, desajustes e omissões no enfrentamento ao coronavírus, que chegou com ímpeto tão grande a ponto de desmontar o cronograma politiqueiro e populista em que vinha se sustentando o governo do capitão, um homem que desde o primeiro dia tem se revelado obsessivamente preocupado com a própria reeleição, que ainda se travará daqui a mais de dois anos, dependendo das condições de temperatura e de pressão. Ou seja, se não houver, a nível institucional, um processo de impeachment, que se não chegou a se banalizar no Brasil, já experimento apresentado à sociedade, em virtude dos casos bombásticos que custaram os mandatos de Fernando Collor de Mello, na década de 90, e de Dilma Rousseff, no segundo mandato, por volta de 2016.
A situação é grave – e tanto mais grave, no Brasil, por causa de ambições políticas inconfessáveis, de um jogo de poder que drena as energias do povo e que coloca esse mesmo povo na condição de refém da incerteza. Não é demais repisar a informação de que na gravíssima crise sanitária enfrentada hoje falta ao nosso País um líder de dimensão, um estadista que consiga empolgar a sociedade na difícil travessia que se empreende. O espetáculo entre Bolsonaro e Mandetta é uma “ópera buffa”. Para os brasileiros, o buraco é mais embaixo. E só Deus na causa, diante da incúria e da incompetência dos governantes de plantão.