Nonato Guedes
Sob fogo cruzado na mídia em meio a denúncias de suposto envolvimento com casos de pedofilia, na Arquidiocese da Paraíba, que suscitavam mais dúvidas do que confirmação, o recém-falecido arcebispo emérito Dom Aldo Pagotto manifestou-se sobre a temática em artigo publicado em 2010 no jornal “Correio da Paraíba”, mas comentando o gesto do papa Bento XVI que pediu perdão pelo erro dos padres pedófilos. Lembrou que a Santa Sé havia registrado nos últimos 50 anos pelo menos três mil denúncias de abusos sexuais praticados por clérigos. E citava o monsenhor Scicluna, chefe da comissão da Santa Sé para apuração dos delitos, que calculara em 10% o número aproximado de casos de pedofilia cometidos por padres, enquanto os relacionados à homossexualidade somavam 60% e os referentes à heterossexualidade chegavam a 30%. Dom Aldo ficou devendo informações mais transparentes sobre o que lhe era atribuído.
Escreveu Dom Aldo: “Os casos de pedofilia e efebofilia suscitam indignação ética de todos. Independe das condições sociais, profissionais, culturais, religiosas. De forma sensacionalista, a mídia tem propalado crimes cometidos por clérigos de diferentes países. A imagem da Igreja foi conspurcada por seus próprios filhos, lançando culpas no rosto. A santidade da Igreja foi maculada, traspassada pela flecha da impureza. Para grandes males, o grande remédio é a verdade do Evangelho de Jesus Cristo. Embora torcida a imagem da Igreja, sua incumbência é viver e testemunhar os valores do Evangelho”. Dom Aldo advertia que pedofilia é transtorno de personalidade, desvio de comportamento psíquico, afetivo, sexual. “É uma prática indefensável e crime inafiançável, imprescritível, inescusável. A população necessita de esclarecimentos a respeito da complexidade fenomenológica da pedofilia. Pedimos ajuda à comunidade científica e aos especialistas jurisconsultos”, prosseguiu.
E mais: “Os pais pedem às autoridades as devidas orientações, tendo em vista a formação e a preservação dos seus filhos, crianças e adolescentes. Abusos sexuais vinculados à pedofilia alcançam 80%. A iniciação é “caseira”, praticada pelo companheiro da mãe ou “parentes e amigos” da família. A sociedade de consumo impõe seus padrões sexuais permissivos, que comportam práticas equívocas, nada sadias. Somente por meio da educação afetiva e sexual equilibrada podemos tentar superar desvios e transtornos graves. No amplo contexto da formação integral, cabe aos pais oferecer devido acompanhamento aos filhos, coadjuvados pela escola de qualidade”.
Para Dom Aldo, a Igreja não podia se eximir da responsabilidade de formar, inicial e permanentemente, os seus ministros para o presente e o futuro. “Cabe-lhe diagnosticar os fatos abomináveis supracitados, seguidos de prudente diagnóstico. A Igreja vê-se obrigada a avaliar as credenciais e idoneidade hábil dos padres. Afinal, sintonizam-se ou não com os valores doutrinais e morais? Por dever de justiça, a Igreja esclarece oficialmente que, após rigorosa averiguação e comprovação de prática de pedofilia, as autoridades sejam informadas. O réu responderá pelas suas atitudes, não o bispo e a diocese. Não se acoberte crime. A impunidade reproduziria delitos maiores. Porém, não se generalize a imputação de erros cometidos por alguns padres, nem se dê ocasião para a indústria da denúncia, no intuito de arrancar somas altíssimas do erário eclesial. Os que usaram e abusaram sexualmente de suas vítimas são responsáveis por seus atos criminosos”.
E arrematava o arcebispo na sua preleção: “Vítimas de pedofilia ficam marcadas por sentimentos de vergonha, medo, confusão. Tornam-se inseguras. Exteriorizam o que não foi resolvido no seu interior. Inexoravelmente muitos precisarão de ajuda psicológica. Quem vai bancar isso? João Paulo Segundo declarou que uma comunidade cristã tem o direito de confiar nos padres e de jamais ser enganada. Muitos padres demonstram sua verdadeira vocação vivendo-a com zelo, dispondo-se a servir e se sacrificar pelos pobres, vivendo a fé e proclamando a justiça. Discriminar a instituição, levantar suspeitas levianas, agredir o papa, jogar culpas no rosto (até com charges), em nada contribui para a erradicação do crime”. Dom Aldo voltaria a se pronunciar em outros artigos, desta feita sobre a necessidade de se coibir maus tratos e abusos infligidos às crianças e sobre como erradicar a exploração sexual infanto-juvenil. E reclamava do fenômeno do enfraquecimento da instituição familiar. “Vivemos numa sociedade instável”, salientava.
As digressões de Dom Aldo Pagotto expendidas em torno da problemática da pedofilia traduziam mais inquietações e dúvidas do que convicções sobre o papel de pastores católicos, como ele, na abordagem e enfrentamento da questão. O resumo da ópera era mais ou menos este: Dom Aldo tinha conhecimento da extensão que alcançava esse “quisto social”, mas era uma alma atormentada sem respostas prontas para soluções imediatas, eficazes. Tentava repartir responsabilidades com o Estado, executor de políticas públicas de integração social ou de ressocialização. No final das contas, as reflexões de Dom Aldo reforçaram o pré-julgamento sobre suposta conveniência ou acobertamento de casos do gênero, como consta de dossiês secretos da Santa Sé. Uma pena que não tenha havido esclarecimento a contento de insinuações feitas e de denúncias formuladas. O grande pecado de Dom Aldo foi enxergar sensacionalismo no que constituía sede de informação correta, busca da verdade. Isto não foi possível até agora.