Linaldo Guedes
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Já lá se vão 82 anos, a serem completados em julho deste ano, da morte de Lampião e Maria Bonita, mas o mito criado em torno do casal de cangaceiros permanece até hoje. Livros, revistas, folhetos de cordel, documentários, músicas… enfim, toda uma indústria cultural se move para reproduzir, recriar e, o mais importante, manter viva na memória e no imaginário popular, com suas lendas e “verdades”, a história do casal de cangaceiros mais famoso que existiu.
O livro “Maria Bonita: entre o punhal e o afeto” (Arribação Editora, 2020) não é apenas mais um que busca contar a história do casal. Nadja Claudino construiu uma obra capital para que não fiquemos refém dos mitos existentes na história do cangaço no Brasil. Fruto de sua dissertação de mestrado em História na UFPB, o livro de Nadja intenciona trazer novas luzes sobre essa história que até hoje intriga historiadores, pesquisadores, jornalistas e o público em geral.
A história do cangaço no Brasil sempre ficou marcada por dois discursos antagônicos: ou a mitificação das pessoas que viam e veem, ainda, os cangaceiros como heróis ou a condenação pura e simples do legado de Lampião e seus comandados. O livro de Nadja Claudino não põe panos quentes nesses discursos. Pelo contrário. Como boa historiadora que é, a autora reproduz e ao mesmo tempo questiona esses dois discursos exagerados.
“Maria Bonita: entre o punhal e o afeto”, como o próprio título sugere, se prende, na verdade, à história da companheira de Lampião, embora não ignore as ações do chamado Rei do Cangaço. Assim, dividido em quatro capítulos, a obra fala dos discursos, histórias e movimentos em torno do cangaço. Nesse caso, mostra como os discursos de violência do homem sertanejo e da violência contra as mulheres ajudaram a construir o mito em torno do cangaço, além de como esse movimento ganhou os folhetos de cordel como uma das maiores inspirações para esse tipo de poesia em meados do século passado.
O clímax desta obra está, na verdade, no terceiro capítulo, com narrativas sobre Maria Bonita e as muitas Marias existentes em uma só mulher. Nadja Claudino é detalhista e minuciosa ao contar aspectos da vivência das mulheres no cangaço, os discursos de beleza e sedução de Maria Bonita e como a companheira de Lampião teve sua história escrita no cordel. O último capítulo é o desenlace trágico dessa história, com a morte dos dois e o massacre de Angicos.
Nadja Claudino age, na realidade, como uma ombudsman do noticiário em jornais e da poesia em folhetos do cordel sobre a trajetória de Maria Bonita, desde quando era apenas a Maria de Dona Déa, antes de se tornar a Rainha do Cangaço. Uma obra necessária para uma reflexão sobre os exageros da mídia e até da literatura em torno de nomes emblemáticos, como o de Maria Bonita.
Linaldo Guedes é poeta, jornalista e editor. Com 11 livros publicados e textos em mais de trinta obras nos mais diversos gêneros, é membro-fundador da Academia Cajazeirense de Artes e Letras (Acal), mestre em Ciências da Religião e editor na Arribaçã Editora. Reside em Cajazeiras, Alto Sertão da Paraíba, e nasceu em 1968.