Nonato Guedes
O ex-presidente Tancredo Neves, cujo aniversário de morte completa 35 anos amanhã, 21 de abril, oscilou, na costura da Aliança Democrática como suporte à sua candidatura por via indireta no Colégio Eleitoral em janeiro de 1985, entre o radicalismo de setores militares da linha dura que queriam a continuidade do regime de arbítrio e a intransigência de setores da esquerda, que resistiam à estratégia de participação no Colégio, em que ele derrotou Paulo Maluf por 300 votos. No livro “História Indiscreta da Ditadura e da Abertura”, o ex-ministro Ronaldo Costa Couto narra que Tancredo dedicou grande parte de seu tempo e energia, em 1984, à tarefa de desmontar armadilhas políticas e militares, embutidas em filigranas jurídicas e manobras golpistas ou continuístas.
De outro lado, preocupava-se de forma permanente com o comportamento das esquerdas que o apoiavam. Reuniu-se com dirigentes do PCB e PCdoB, convencendo-os a excluir suas bandeiras e estandartes com símbolos comunistas (foice e martelo) dos comícios e manifestações que programou para dar respaldo popular à sua candidatura. Pediu moderação a oradores, alegando que não queria dar pretextos a golpistas. Diz Costa Couto: “Tancredo era muito crítico do modo da esquerda brasileira pensar e fazer política. Ensinava: “Temos que ser radicais no objetivo e moderados no método”. Certa vez observou em carta ao jornalista Mauro Santayanna: “A burrice das esquerdas brasileiras continua fantástica.Aliás, um país que tem as esquerdas que o Brasil tem, está dispensado de ter direita”.
O deputado federal Aécio Neves, então secretário particular de Tancredo, confirmou as preocupações do candidato em depoimento a Ronaldo Costa Couto:
– Esse perigo sempre existiu. Não digo que comandado pelos ministros militares, mas por setores ainda influentes dentro das Forças Armadas que não aceitavam a virada do jogo. Então, Tancredo, sem perder sua firmeza e a credibilidade que tinha na sociedade e nas oposições, acabou criando canais de confiabilidade nos segmentos democráticos das Forças Armadas. Ele precisava garantir que a transição prosseguisse. E o risco foi iminente até bem próximo das eleições no Colégio Eleitoral. Houve ações tentando vincular Tancredo ao revanchismo, a punições, ao radicalismo extremo. Ele, sem fazer quaisquer concessões, deu garantias de que seria o presidente constitucional, garantiria a democracia, e que não admitiria revanchismo nem retaliações. Na verdade, Tancredo tinha, no próprio Alto Comando, pessoas que relatavam a ele o que estava acontecendo, representantes dos setores mais democráticos das Forças Armadas. Houve dois ou três momentos na campanha em que vi Tancredo extremamente preocupado com a possibilidade de tentarem virar a mesa. Em função disso, ele buscou alguns interlocutores.
Conforme o relato de Aécio Neves, se o ex-presidente Tancredo Neves não tivesse buscado essas interlocuções dentro das Forças Armadas, poderia ter havido complicações. Houve em determinado momento, talvez em setembro de 1984, uma articulação muito firme, parece que com o apoio do próprio Figueiredo, para que fosse adiada a votação no Colégio Eleitoral e prorrogado o mandato presidencial. Seria o retrocesso. Houve grande tensão (…) A partir de determinado momento, setores militares estavam convencidos de qualquer ruptura seria ruim para as Forças Armadas. Eu não sei dizer se eles teriam condições, num movimento ainda comandado pelo presidente da República ou pelos ministros militares, de resistir. Foi muito importante esse posicionamento deles”.
A assessoria de Tancredo Neves chegou a preparar um plano de fuga de Brasília, temendo possível ação golpista comandada pelo general Newton Cruz, titular do Comando Militar do Planalto. Se a tentativa ocorresse, o candidato seria imediatamente retirado e levado para um local de onde pudesse comandar a resistência. Talvez Belo Horizonte, com o apoio certo do governador Hélio Garcia, ou Curitiba, onde o general Waldyr Martins, comandante da Quinta Região Militar, era aliado. Tancredo sabia que qualquer tentativa golpista não uniria as Forças Armadas. Além do III Exército, ele tinha a solidariedade do general Jorge de Sá Pinho, do IV Exército, e do general Adhemar da Costa Machado, do Comando Militar da Amazônia. Na Marinha e na Aeronáutica, a situação era ainda mais favorável. A maioria dos militares já não queria candidatura militar nem mudanças das regras de jogo”, conclui Ronaldo Costa Couto.