Nonato Guedes
O novo coronavírus teve o condão reunir todos os seis ex-presidentes da República do Brasil que estão vivos no chamado “grupo de risco”, tendo que cumprir as regras de distanciamento social. Alguns deles, como Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Fernando Henrique Cardoso (PSDB) são frequentes no noticiário, geralmente com críticas ao presidente Jair Bolsonaro por medidas adotadas para o enfrentamento à pandemia. Lula, 74 anos, vale-se de videoconferências e do telefone celular para externar opiniões em sites, portais e redes sociais. Ele está no ABC paulista e, sempre que possível, também dialoga com expoentes do partido e de outros partidos sobre a conjuntura atual. Aos 88 anos, Fernando Henrique Cardoso não encontra mais seus filhos, netos e bisnetos. Sai de casa apenas para algumas caminhadas com a mulher e não dispensa o uso de máscara, como informa uma reportagem da revista “Veja”.
A ex-presidente Dilma Rousseff (PT), 72 anos, que foi alvo de impeachment, também se “especializou” na quarentena em bater forte no governo Bolsonaro. Já chamou o capitão de “louco” e “irresponsável” e, conforme “Veja”, sem se lembrar do seu péssimo desempenho, classificou a política econômica do governo de “deplorável”. Com 70 anos de idade, Fernando Collor de Mello, também alvo de impeachment, é o único que tem mandato. Ele participa das sessões remotas do Senado desde a Casa da Dinda, onde mora até hoje, em Brasília, e, por precaução, fez o exame do coronavírus (testou negativo). José Sarney, que mantém intenso o hábito da leitura, teve cancelada sua festa de 90 anos, que seria realizada no próximo dia 24. Em tom dramático, ele afirmou: “Muitas vezes na minha vida eu ouvi falar que o mundo ia acabar. Mas nunca tinha visto que quem ia acabar não era o mundo e, sim, a espécie humana”.
Michel Temer (MDB), aos 79 anos, tem aproveitado para revisar o livro que pretende lançar sobre o seu governo (ele assumiu em 2016 com o impeachment de Dilma Rousseff, na condição de vice-presidente, e no final de 2018 passou o cargo a Jair Bolsonaro). Há duas semanas, Michel Temer telefonou para Jair Bolsonaro, num gesto de ousadia, conforme ele próprio definiu à “Veja”. No dia da ligação, sábado, 28, as panelas já ecoavam nas janelas e o país contabilizava mais de 100 mortos com o governo insistindo numa campanha contra o confinamento da população. Cerimonioso, ao ser atendido, Temer pediu e recebeu autorização para engatar um “conselho” a Bolsonaro. Sugeriu, então, ao presidente, que decretasse um período nacional de isolamento de dez a quinze dias, permitindo a abertura de mercados e farmácias. No terreno político, alertou sobre a importância de manter o diálogo com os governadores. Atento, Bolsonaro agradeceu as dicas e deixou claro o nível de sua relação com os chefes estaduais – usando palavras cabeludas para referir-se a alguns deles.
Todos os ex-presidentes que hoje estão em situação de isolamento já enfrentaram graves crises em suas gestões e de uma forma ou de outra consideram ter escapado. Sarney é apontado por “Veja” como, possivelmente, o que mais administrou crises, a partir da morte de Tancredo Neves. Assumiu a Presidência sem ter indicado os ministros, sem ter tido ingerência alguma no plano de governo, tampouco apoio de partidos. “Não reagi, não demiti ministros e evitei sempre a violência. O presidente tem como função principal dialogar e harmonizar”, confessa Sarney. Que emenda: “Na história do Brasil, muitos presidentes foram eleitos para ser depostos – e eu não podia ser mais um”.
Collor diz que ao tomar medidas antipáticas confiava que detinha apoio popular. Para garantir apoio expressivo no Congresso, lembra ter feito mutirões de conversas com deputados e senadores. Dois anos depois, fragilizado por denúncias de corrupção e sem base política, sofreu o processo de impeachment que resultou na ascensão do vice-presidente Itamar Franco, já falecido. Ao comentar a postura do presidente Jair Bolsonaro diante da pandemia do novo coronavírus, o senador Fernando Collor enfatiza: “Falta humildade para perceber que cometeu um equívoco na condução do coronavírus. Não vejo como isso possa dar certo”. Em relação a Lula, mesmo debaixo de regras de isolamento social, ele tem a vantagem de estar em liberdade depois de ter ficado 580 dias preso numa sala da Superintendência da Polícia Federal em Curitiba. Condenado a 26 anos de cadeia por corrupção e lavagem de dinheiro, Lula se favorece das medidas restritivas que visam a evitar o contágio pelo novo coronavírus. Está tão à vontade que dá “pitacos” quase todos os dias sobre quaisquer assuntos – da conjuntura nacional a problemas internacionais.