Nonato Guedes
Completará uma década este ano o triunfo eleitoral que conduziu Ricardo Coutinho ao governo da Paraíba, liderando o agrupamento dos girassóis, tendo como pano de fundo discursos e palavras de ordem que prometiam o paraíso, entremeado pela revolução socialista que iria devassar as oligarquias tradicionais e implantar um modelo em que o povo seria o grande protagonista. Surpreende que tenha chegado rápido o ostracismo político para o comandante do agrupamento dos girassóis. Rápido e melancólico. Ricardo deixou o governo em dezembro de 2018, completando oito anos de hegemonia. Mal começou 2019 já figurava em páginas policiais, envolvido numa certa Operação Calvário e apontado pelo Ministério Público como chefe de uma organização criminosa que desviou milhões dos cofres públicos nas áreas da Saúde e da Educação.
Em 2010, Ricardo derrotou o principal adversário, José Maranhão (MDB), que voltara ao governo excepcionalmente em fevereiro de 2009 com a cassação de Cássio Cunha Lima pela Justiça Eleitoral. Dentro da lógica de que para chegar ao poder não se recusa apoio nem se questiona aliança – uma contradição com a “retórica revolucionária” que Coutinho elaborara – o então candidato do PSB foi buscar o apoio de Cássio e, de quebra, arrastou o DEM do ex-senador Efraim Morais, sucedâneo do Pêfêlê velho de guerra. Pragmatismo puro – mas, enfim, como está escrito, a cavalo dado não se olha os dentes. E, sejamos sinceros: para militantes, tanto faz se da esquerda ou da direita, em política, “o feio é perder”, por mais que o truísmo seja antipático ou sugira o recurso a “instintos primitivos” e a métodos deletérios que possibilitem ganhar. Ricardo valeu-se de tudo isso e foi recompensado nas urnas.
Não houve, propriamente, uma aprovação a métodos pouco ortodoxos de fazer política. Estava embutido no resultado das urnas de 2010 o crédito de confiança à “proposta de renovação”, que de tempos em tempos é retirada do armário por oportunistas de plantão para iludir os eternos incautos quanto ao “novo”, ao presumido “outsider”, que diz ter ojeriza a cúpulas partidárias mas não lhes recusa o asqueroso beija-mão dentro da estratégia de anabolizar estruturas em confrontos eleitorais. Esse crédito de confiança conferido a Ricardo foi mantido intacto durante um bom tempo. Até, digamos, o momento em que a população da Paraíba foi apresentada ao “mar de lama” em que chafurdou o líder dos girassóis, às voltas com mandados de prisão preventiva e com tornozoleiras eletrônicas. Ricardo escafedeu-se até o final de 2018, quando ficou amarrado o pacote com a eleição de João Azevêdo, seu candidato “in pectoris” que virou algoz do dia para a noite.
O desmoronamento do “projeto ricardista de poder” é fenômeno que ainda hoje intriga parcelas influentes da opinião pública e expoentes da “intelligentsia” tupiniquim, que não perdoam a incoerência detonadora da metamorfose na personalidade do “líder” e na conjuntura política paraibana. Foi tudo rápido demais para um agrupamento que tinha expectativas hegemônicas de poder. Ainda que houvesse um interregno no controle do poder (o que se deu entre remanescentes ricardistas em relação ao governo João Azevêdo), a crença era a de que o “líder” mantivesse espaços competitivos e respeitáveis, fazendo contraponto a eventuais líderes forjados na conjuntura evolutiva do Estado. Deu-se que Coutinho foi tragado pelo imponderável, nas circunstâncias mais humilhantes possíveis.
Qualquer análise que se faça sobre a Era Ricardo Coutinho leva em conta, naturalmente, a ascensão fulminante do “ricardismo” nas esferas de poder, com trajetória deflagrada na prefeitura de João Pessoa e sequenciada, por gravidade, no governo do Estado – em dois mandatos consecutivos, cada, tempo assaz suficiente para firmar alicerces irreversíveis do projeto dos girassóis. O corolário desse histórico seria a longevidade do projeto – mas eis que operou-se o corte abrupto, a interrupção imprevista, o curto-circuito na escalada. Por obra e graça do próprio Ricardo, investido da condição de iconoclasta e adrede motivado para destruir o que construíra, na presunção de que ele continuaria exercendo o papel de majestade, enquanto os outros…seriam os outros.
Revela o blog de Anderson Soares que o ex-governador e “líder” dos girassóis intentou entrar na onda das “lives” nestes tempos de quarentena ocasionada pelo medo do coronavírus – e abalou-se a encarar economistas do sul do país no que seria uma exegese da conjuntura que, além de medidas sanitárias, reclama medidas econômicas para deter o desemprego. O diálogo não pareceu interessante, a julgar pelo quórum ínfimo de espectadores, numa transmissão via mídia digital que ele tanto manejou com proficiência quando estava no Palácio da Redenção. Vai longe o tempo em que Ricardo despertava atenção pelo que tinha a dizer…