Nonato Guedes
Em cerca de três anos, morreram três arcebispos que fizeram história na Paraíba, concluindo-se um ciclo de intensa atuação por quase meio século à frente da Arquidiocese. Em 25 de março de 2017 faleceu no Recife Dom Marcelo Pinto Carvalheira, em meio a complicações que deixaram seu organismo profundamente debilitado. Ainda em 2017, no mês de agosto, no dia 27, morreu em Belo Horizonte Dom José Maria Pires, acometido de pneumonia. Enfim, no último dia 14 de abril, vitimado pelo novo coronavírus, faleceu Dom Aldo di Cillo Pagotto, que renunciou em meio a denúncias sobre supostos casos de pedofilia envolvendo religiosos. Dom Aldo teria acobertado e/ou se envolvido em alguns dos casos, que foram objeto de apuração pelo Ministério Público do Trabalho, com imputação de multa à Arquidiocese.
Sobre Dom Aldo circularam versões de que teria sido montado no Vaticano um dossiê que o incriminava com base em relatos de seminaristas e integrantes do clero paraibano. O ex-arcebispo tentou fazer gestões junto à Nunciatura Apostólica em Brasília com vistas a ter acesso a denúncias que o inquinavam, mas foi informado de que as investigações se processavam sob sigilo, tendo sido aconselhado a escrever a carta de renúncia. Numa entrevista que concedeu ao extinto jornal “Correio da Paraíba”, direto de Fortaleza, Dom Aldo queixou-se de perseguição sofrida no âmbito da Igreja Católica do Estado e lamentou não ter tido assegurado o direito de defesa para esclarecimento dos fatos. Natural de São Paulo, ele foi nomeado arcebispo metropolitano da Paraíba quando atuava à frente da diocese de Sobral, no Ceará.
Dos três religiosos, Dom José Maria Pires foi quem teve a trajetória mais longa como arcebispo – cerca de três décadas, e, também, a mais polêmica. Ele chegou a João Pessoa, vindo de Minas Gerais, em 1966, quando estava em vigor o regime militar instaurado em 1964 com a deposição do governo do presidente João Goulart e que vigorou por 21 anos. Num primeiro momento, ainda quando se encontrava em Minas, Dom José apoiou a chamada “revolução” diante do argumento das autoridades militares de que fora uma intervenção para conter a ameaça comunista e que a democracia seria restabelecida logo. Com o regime tomando feições de ditadura e confrontado, ao mesmo tempo, com graves injustiças sociais e econômicas, típicas do subdesenvolvido Nordeste, Dom José tomou posições de vanguarda que desafiaram a ordem vigente e irritaram chefes militares na Paraíba e no IV Exército, no Recife.
A atuação pastoral de Dom José, fincada na defesa de classes sociais oprimidas e marginalizadas, refletiu influência derivada do Concílio Vaticano Segundo, que promoveu uma espécie de revolução dentro da Igreja em todo o mundo, principalmente em países da América Latina, dominados por ditaduras. Dom José recusou-se a celebrar missas de exaltação ao movimento militar de 64, teve atritos ocasionados pela solidariedade que manifestou a posseiros em conflito com proprietários rurais e também teve vetado o discurso que preparou para receber o título de Cidadão Paraibano, cuja outorga acabou cancelada diante da recusa do prelado em concordar com a censura. Dom José criou, também, o primeiro Centro de Defesa dos Direitos Humanos do país, o qual teve papel decisivo na denúncia de arbitrariedades cometidas por agentes da repressão na Paraíba. A linha pastoral de Dom José era sintonizada com a de Dom Hélder Câmara, arcebispo de Olinda e Recife, que era hostilizado por militares e políticos ligados ao regime.
Dom Marcelo Carvalheira fazia parte da denominada “corrente progressista” da Igreja, alinhando-se com as posições de Dom Hélder Câmara e de Dom José Maria Pires. Chegou a ser preso em Porto Alegre acusado de “pombo-correio” de Dom Hélder em suposta articulação com militantes de esquerda e grupos adeptos da luta armada. Há registros de que Dom Marcelo foi torturado na prisão. Dom Aldo Pagotto foi polêmico numa linha diametralmente oposta à diretriz de Dom José. Dom Aldo exprimia conceitos mais conservadores e gerou discussões ao tomar partido em disputas políticas na Paraíba, compondo-se com governantes de plantão. Além do mais, chegou a participar de atos públicos controversos, como os que postulavam o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, do PT, e proibiu a participação de religiosos na disputa política, mirando no padre Luiz Couto e no Frei Anastácio Ribeiro, ambos deputados. Virada a página do ciclo polêmico que prevaleceu na Igreja da Paraíba, hoje avulta à frente da instituição um arcebispo moderado e focado na doutrina cristã – Dom–Manoel Delson, que, não obstante, opina sobre assuntos de interesse público, mas sem o impacto das atuações de Dom José, Dom Marcelo e Dom Aldo Pagotto.