Nonato Guedes
Em pronunciamento na manhã de hoje, transmitido ao vivo pela TV, Sergio Moro confirmou sua decisão de deixar o Ministério da Justiça e Segurança Pública do governo Jair Bolsonaro, admitindo como causa divergência com o presidente da República em virtude de ingerência política na escolha de dirigentes de órgãos vinculados à Pasta, como a Polícia Federal. O pivôt foi mesmo a demissão de Maurício Valeixo da direção geral da Polícia Federal, para a qual, segundo Moro, não houve explicação plausível nem convincente da parte de Bolsonaro, na conversa que eles tiveram nas últimas horas. O ex-ministro anunciou que, de imediato, pretende descansar, lembrando que realizou missões estafantes à frente do cargo e, em seguida, vai procurar emprego. Para ele, a magistratura é “um caminho sem volta”, depois de vinte e dois anos de dedicação à atividade, na qual se projetou comandando a Operação Lava Jato que levou à prisão o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Sergio Moro historiou sua atuação à frente da Pasta e insinuou que Bolsonaro, que tinha prometido dar-lhe carta branca, passou a se imiscuir no trabalho de superintendentes da Polícia Federal de alguns Estados, operando para ter acesso ao teor de investigações conduzidas por agentes da instituição. O ex-ministro deu a entender que se tratava de interferência política indevida, o que comprometia a lisura da ação realizada pela instituição. Salientou que, de sua parte, procurou preservar sua biografia, pautada em compromissos estritamente profissionais e focados no interesse público. Moro ressaltou a importância da Operação Lava Jato, que, a seu ver, mudou o patamar de combate à corrupção no país e que não sofreu interferência política em gestão passada, referindo-se ao governo de Dilma Rousseff, do PT. Mencionou que a Lava Jato se constituiu em trabalho de equipe e ofereceu valiosa contribuição no combate à filosofia da impunidade de poderosos.
Ele foi categórico ao desmentir as versões de que teria imposto ao presidente Jair Bolsonaro, como condição para ser ministro da Justiça, vir a ser nomeado para uma cadeira de ministro no Supremo Tribunal Federal, observando que isto não faria sentido, uma vez que se propôs, ao ser convidado pelo presidente, a deflagrar políticas de enfrentamento ao crime organizado, à corrupção e a outros desvios sociais registrados no país. Avalia que as políticas públicas executadas no período em que esteve no Ministério resultaram de forma positiva em benefício da sociedade, citando como exemplo a redução expressiva de homicídios e de outros atos violentos. Lembrou, também, a sua iniciativa em enviar ao Congresso um projeto anticrime, que, entretanto, acabou sofrendo inúmeras modificações, o que o tornou desfigurado em relação à essência.
Para Moro, “nunca houve um combate tão efetivo ao crime organizado” quanto o que foi o que foi feito na Pasta por ele dirigida na gestão do presidente Jair Bolsonaro. Revelou ter ponderado ao presidente da República o adiamento da discussão sobre substituições no comando da Polícia Federal nos Estados em virtude da pandemia do coronavírus, cujo enfrentamento passou a ser prioridade número um do governo. Não foi, entretanto, acatado nessas ponderações, da mesma forma como se sentiu desautorizado em outros episódios (a respeito dos quais não mencionou detalhes). Sergio Moro contou um único pedido que teria feito a Bolsonaro ao aceitar o convite para ser ministro da Justiça: o de que ele não deixasse sua família desamparada caso algo lhe acontecesse nas difíceis missões e nos desafios graves que passou a empalmar à frente do Ministério da Justiça. Justificou a Bolsonaro que não era um homem rico e, portanto, tinha que deixar os familiares amparados.
Sergio Fernando Moro nasceu em primeiro de agosto de 1972, em Ponta Grossa, e foi criado na cidade de Maringá, no Paraná. No livro que escreveu sobre o ex-juiz, a jornalista e atual deputada federal por São Paulo Joice Hasselmann revela que a Lava Jato não seria o que foi sem um personagem com o carisma, equilíbrio e integridade de Sergio Moro. Ele se formou em Direito na Universidade Estadual de Maringá, na turma de 1995. “Era um estudante de ensino superior aplicado e buscou rapidamente se estabelecer como juiz federal”, acrescenta. Em toda a sua carreira operara em pelo menos 1.200 processos em apenas vinte anos de atuação profissional. Tornou-se juiz federal em 1996 com apenas 24 anos, tendo trabalhado em Cascavel e Joinville, em Santa Catarina. “Moro sempre atuou com independência visível, inclusive dos interesses econômicos e assinou sentenças que desagradaram o presidente Fernando Henrique Cardoso, já que atuou como um crítico à política econômica de FHC”, afirma Joice. Na academia, cursou mestrado e doutorado em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná e foi ao exterior para realizar o programa de instrução de advogados da Escola de Direito da Universidade Harvard, em 1998. Lá, participou de um programa de estudos sobre lavagem de dinheiro por meio do International VisitorsProgram, todos promovidos pelo Departamento de Estado americano. Moro trabalhou no caso que desmantelou a quadrilha de Fernandinho Beira-Mar no ramo do tráfico de drogas. “Nosso juiz atuou, portanto, contra o Pablo Escobar brasileiro”, comparou Joice Hasselmann.