Leonardo Sakamoto, do UOL
O pronunciamento em que Jair Bolsonaro tentou responder às acusações do agora ex-ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, serviu também para orientar a tropa bolsonarista a se descolar do ex-juiz da Lava Jato e tratá-lo como alguém que pensa apenas em si mesmo. A primeira parte de seu discurso, que parecia de improviso, foi na verdade construída para martelar em seus seguidores o trabalho que já estava sendo realizado pelo Gabinete do Ódio – como ficou conhecida a estrutura montada no Palácio do Planalto para defender o governo e atacar adversários com técnicas de desinformação nas redes sociais.
O objetivo foi passar a imagem de um Moro arrogante, egoísta, interesseiro e oportunista, que nunca foi bolsonarista, muito menos conservador. Os núcleos de pesquisa especializados no monitoramento do debate político na rede mostram que a partir das 11h da sexta-feira (24), horário do pronunciamento de Moro, o apoio ao ministro demissionário e as críticas a Bolsonaro deram um salto gigantesco no Twitter. Às 17h, o presidente deu resposta a Moro, alimentando sua rede. Postagens de pessoas e robôs já divulgavam o recado de Jair antes do discurso que fez ao lado de seus ministros, indicando uma reação organizada com a participação do Gabinete do Ódio.
Uma onda de publicações no Twitter e no Facebook afirmava que Moro pensava mais em sua biografia do que no país – exatamente o argumento central do discurso do presidente. Por exemplo, na hashtag “FechadoComBolsonaro”, que atingiu mais de um milhão de tuítes, o juiz era chamado de “traidor” do Brasil e “egoísta”. Houve, também, aqueles que acusavam Moro de querer ajudar a implementar uma “ditadura comunista” no Brasil. Há intersecções entre o bolsonarismo e o lavajatismo, mas eles não ocupam, necessariamente, o mesmo espaço. Estavam unidos em um casamento de interesses, para usar uma metáfora cara ao presidente, em torno do antipetismo do que conectados por uma agenda programática comum.
Bolsonaro conta com um número duro de apoiadores, que já foi estimado pelo Datafolha em cerca de 12% da população. Estes dividem a mesma visão ultraconservadora de seu líder e estavam com ele muito antes do capitão decolar nas eleições de 2018. A diferença de 24% entre essa base e o total de aprovação do presidente neste momento – 36%, segundo o Datafolha do último dia 17 – conta com uma participação mais expressiva da classe média baixa e de evangélicos, segundo a estratificação da pesquisa. Para esse grupo, historicamente, pautas econômicas e comportamentais têm mais impacto do que o combate à corrupção. E é nisso que o presidente se fia. Bolsonaro já está colhendo os frutos da renda básica emergencial de R$ 600,00, aprovada graças aos esforços do Congresso Nacional. A sua aprovação subiu de 33% para 36% entre dois levantamentos do Datafolha, provavelmente por conta do aumento de popularidade junto a esses trabalhadores informais que recebem o benefício. Essa parcela da população pode lamentar a saída de Moro, mas lamenta ainda mais não receber nada do Estado para atravessar a pandemia.
A situação econômica vai definir se essa base estendida de Bolsonaro permanece com ele quando a pandemia passar. Combate à corrupção é importantíssimo, mas no cálculo pragmático, não enche barriga.