Nonato Guedes
Apesar das suspeitas de que a operação Lava Jato esteja esvaziada e vivendo seus instantes finais, o escritor e ex-deputado Fernando Gabeira não pensou assim ao escrever o prefácio do livro do jornalista Vladimir Netto, da TV Globo, sobre o juiz Sergio Moro e os bastidores da operação que abalou o Brasil. O livro foi lançado em 2016 e alcançou ampla repercussão, devido à profundidade de informações colhidas sobre as múltiplas etapas da Lava Jato. Disse Gabeira: “O autor conta em detalhes a gênese da Operação Lava Jato e seus principais desdobramentos – da surpresa diante da dimensão do problema ao surgimento de seus inevitáveis tentáculos. E, passo a passo, vai desnudando a engrenagem apodrecida que ligava as empreiteiras aos partidos no poder”.
Gabeira começou o prefácio dizendo que “a Lava Jato ainda não terminou e talvez não termine tão cedo. Mas quando o jornalista Vladimir Netto colocou o ponto final neste livro, ela já era uma operação transformadora, que desvendara, com competência, o maior escândalo da história do Brasil”. E mais: “Inspirada na Operação Mãos Limpas, que estremeceu a Itália nos anos 1990, a Lava Jato é um extraordinário trabalho de equipe que conseguiu sobretudo provar com fatos e documentos a inescapável realidade de que a Petrobras foi saqueada e os saqueadores levaram os recursos para fora do país”. Gabeira salientou que foram tão contundentes os fatos apresentados pela operação que seus adversários não tiveram outro caminho senão criticá-la na forma. Mas emendou: “A Justiça brasileira reconheceu sua legitimidade, dando-lhe a vitória em inúmeros questionamentos”.
Um dos momentos mais tensos – lembrou Fernando Gabeira – aconteceu quando a Lava Jato levou o ex-presidente Lula para depor, baseando-se no princípio de que todos são iguais perante a lei. “Até aquele momento tinham sido feitas 116 conduções coercitivas. Ninguém protestara. No entanto, no caso de Lula, havia ainda a suposição de que ele era um símbolo nacional e merecia respeito. Nesse modelo de pensamento, é aceitável o princípio de que a lei vale para todos, menos para os símbolos”. Na avaliação de Gabeira, os procuradores da força-tarefa da Lava Jato não se limitaram ao trabalho áspero de desmontar uma organização criminosa que unia, num só caso, os maiores empreiteiros do país e os principais partidos da base do governo. “Eles perceberam que era necessário modificar e fortalecer a lei para que o Brasil não se tornasse presa fácil dos políticos e empresários corruptos. Fizeram uma proposta para acabar com a impunidade no país, “As 10 medidas contra a corrupção”, que conseguiu mais de dois milhões de assinaturas e virou um projeto de lei de iniciativa popular, em tramitação no Congresso”.
Para o escritor e ex-deputado, cada movimento da Lava Jato foi determinando a agenda política no Brasil, levando o país a se concentrar na tarefa histórica de combater a corrupção. “O que se ouvia com regularidade em Brasília era isto: nada será como antes e não sabemos quem ficará de pé. Os nomes de parlamentares não paravam de aparecer (…) Mesmo no front econômico, a operação encontrou resistência. O que acontecerá se as maiores empresas do país quebrarem? O que fazer com a multidão de desempregados? O problema é que, independentemente da Lava Jato, os limites da própria economia indicavam que a festa tinha acabado. A inflação, o desemprego e a crise viriam de qualquer maneira, porque são gerados pelas próprias leis do universo econômico”.
Fernando Gabeira arrematou que “conhecer a Lava Jato e sua trajetória é conhecer uma das maneiras pelas quais o Brasil pode construir um novo caminho para dificultar a corrupção e puni-la com severidade”. Disse: “Os terremotos políticos que a operação ainda provocará, tremores isolados e tardios que abalarão as estruturas de Brasília, tudo isso pertence ao futuro. E por falar nele, a Lava Jato, como se não bastasse sua performance técnica, nos colocou em contato com a perspectiva de um país livre dos saqueadores e dos salvadores da pátria que nos jogaram no buraco. Sua consagração aconteceu no dia 13 de março de 2016 quando milhões de pessoas foram às ruas, na maior manifestação política da história brasileira, e não se limitaram a pedir a queda do governo, mas a expressar sua indignação com a roubalheira. Isso é um alento para quem quer ver as investigações chegarem às últimas consequências, revelando o processo de corrupção que domina a política brasileira e a parte do mercado. A busca da verdade não acaba com o fim do governo”.