Nonato Guedes
Desde que entrou no imaginário popular nacional como uma espécie de herói pela sua atuação contra corruptos à frente da força-tarefa da operação Lava-Jato, o ex-juiz e agora ex-ministro da Justiça Sergio Moro enfrentou arranhões à sua imagem da guardião da lei e da ordem pelo menos uma vez, em junho de 2019, com a divulgação pelo site The Intercept Brasil de mensagens que ele trocou com o procurador DeltanDallagnol, o chefe da força-tarefa em Curitiba, enquanto julgava os processos. A dobradinha teria beneficiado acusadores em detrimento de acusados, desequilibrando a balança da Justiça e desrespeitando a equidistância entre juízes e as partes do processo, conforme anotou a revista “Veja” em matéria de capa.
A repercussão da divulgação das mensagens foi grande e levou a defesa do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), hoje em liberdade, a apostar na anulação dos processos contra ele. Lula, cuja prisão foi decretada por Sergio Moro quando juiz da Décima Terceira Vara Federal em Curitiba, amplificou sua ira contra o ex-juiz, afirmando que o vazamento das mensagens confirmava a parcialidade com que Moro atuou, supostamente para atender a interesses do presidente Bolsonaro, que o nomeou para a pasta da Justiça. Numa das mensagens, o então juiz relatou a Dallagnol ter recebido de “doente séria” a dica de que uma testemunha teria informações sobre transferências de propriedade de um dos filhos de Lula. Em seguida, Moro orientou o procurador a ouvir a pessoa, que, contudo, não aceitou colaborar.
Dallagnol mencionou, então, a possibilidade de forjar uma denúncia anônima para que a testemunha fosse intimada a prestar esclarecimentos. “Não se sabe, pelo material divulgado, se isso foi feito, mas é inescapável a conclusão de que Moro se empenhou, fora dos autos, para colher evidências contra Lula. Nesse momento, ele cruzou a fronteira da legalidade”, observou a reportagem de “Veja”, relatando que para garantir a paridade de armas entre defesa e acusação o Código de Processo Penal proíbe que julgadores e procuradores trabalhem juntos em busca de um resultado comum. A lei estabelece que o magistrado deve sempre declarar-se suspeito para julgar um caso quando, por exemplo, tiver aconselhado qualquer das partes.
Várias das mensagens foram consideradas embaraçosas, embora Sergio Moro, questionado pela imprensa, tenha minimizado a dimensão dos episódios. Numa delas, Dallagnol comentou que faria alguns pedidos a Moro, mas tudo bem ele indeferi-los porque mandou apenas por “estratégia”. Na resposta, Moro adiantou sua decisão dizendo que iria mesmo desconsiderá-los. Juristas ouvidos por “Veja” disseram que a cooperação de Moro e Dallagnol para encontrar uma testemunha desfavorável a Lula poderia configurar crime de fraude processual. O Partido dos Trabalhadores chegou a defender a abertura de uma CPI para investigar a investigação e ministros do Supremo Tribunal Federal consideraram extremamente graves as mensagens.
Sergio Moro defendeu-se alegando que não havia qualquer ilegalidade nas conversas travadas com o procurador DeltanDallagnol. “No casodas mensagens divulgadas pelo The Intercept Brasil e por outros veículos, mesmo que elas fossem verídicas, não haveria nelas nenhuma ilegalidade. Onde está a contaminação de provas? Não há. É uma questão de narrativa. Houve, sim, exagero da imprensa. Esse episódio está todo superdimensionado. A Polícia Federal está investigando as pessoas que invadiram os celulares. Não está descartada a hipótese de que houve interesses financeiros por trás desse crime. Esses hackers, pelo que já foi demonstrado, eram estelionatários. Mas nada vai mudar o fato de que a Operação Lava Jato alterou o padrão de impunidade da grande corrupção. As pessoas sabem diferenciar o que é certo do que é errado”, comentou Sergio Moro em entrevista à “Veja”.
Os fatos não evoluíram do ponto de vista de incriminar o ministro Sergio Moro e o presidente Jair Bolsonaro não identificou, na ocasião, nenhum motivo que o levasse a exonerar o auxiliar. Calcula-se que entre corruptos e corruptores, o ex-juiz puniu pelo menos 140 pessoas com penas que somariam mais de dois mil anos. O protagonismo elevou Sergio Moro ao posto de celebridade – ele passou a dar autógrafos em restaurantes e ser parado para “selfies” no meio da rua por admiradores e apoiadores. Seu índice de aprovação chegou a superar o do presidente Jair Bolsonaro, conforme pesquisas de opinião pública realizadas por institutos credenciados. Se não chegou a sair arranhado, Moro passou a ser esvaziado e até mesmo sabotado pelo presidente Bolsonaro e familiares nas suas atividades à frente do ministério da Justiça, culminando com a falta de autonomia para nomear delegados e superintendentes da Polícia Federal. Bolsonaro deixou claro que a prerrogativa era dele, não do ministro agora demissionário.