Nonato Guedes
A estratégia do presidente Jair Bolsonaro de se aproximar de parlamentares do “Centrão”, inclusive abrindo espaço para cargos no governo, começa a ser vista com desconfiança por integrantes desse agrupamento que é conhecido pelas posturas fisiológicas adotadas no Congresso, envolvendo barganha de vantagens e interesses pessoais. Uma reportagem do jornal “O Globo” revela que a estratégia do capitão já está sendo encarada como tática de blindagem em um eventual processo de impeachment, a partir do rosário de acusações feitas pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, ao deixar o cargo atirando, no final da semana passada.
Um dos novos aliados de Bolsonaro é o presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson, que já publicou em suas redes sociais um áudio no qual faz a defesa enfática do capitão. Bob Jefferson é figura conhecida, remanescente da “velha política” que o matreiro Bolsonaro dizia combater. No processo de impeachment do presidente Fernando Collor em 92, Jefferson esteve na linha de frente da chamada “tropa de choque colorida” dentro da Câmara dos Deputados, para tumultuar o andamento do processo e tentar salvar o pescoço do ex-caçador de marajás. Não logrou êxito no intento, mas não saiu da empreitada de mãos vazias – pelo contrário, foi regiamente compensado, tendo assistido à distância o ostracismo experimentado por Collor.
Jefferson e seu partido de algibeira estão sempre apostos para emergências quando se trata de obter algum lucro. Foi assim no escândalo do mensalão que abalou a república do PT de Luiz Inácio Lula da Silva. Bob foi menosprezado em algumas negociatas políticas e avaliou que havia sido passado para trás no rateio do dinheiro sujo roubado dos cofres públicos e compartilhado por expoentes da base de sustentação do governo de Lula no Congresso. Atritou-se com o então todo poderoso chefe da Casa Civil do governo, José Dirceu, que era uma espécie de primeiro-ministro do “pajé” Lula da Silva e pôs a boca no trombone, delatando o esquema de pagamento de “mesada” a deputados e senadores para votarem favoravelmente matérias de interesse do governo. “Sai daí, Zé, antes que caia um inocente!”, exortou Jefferson, com voz tonitruante, dirigindo-se a José Dirceu que, supostamente, operava sem o consentimento de Da Silva. Descobriu-se, depois, que Lula era o “chefe” por trás de tudo. O “pajé” vai morrer negando que havia o “mensalão”.
O “Centrão”, que está sempre com o poder, quando fareja oportunidades que possam lhe beneficiar, e contra o poder de plantão quando percebe que ele começa a se enfraquecer, foi ativo na aliança com Eduardo Cunha, presidente da Câmara Federal, no moedor de carne que foi o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff em 2016. Depois, quando a maré se voltou contra Cunha, que cumpre pena de prisão até hoje e é um dois de paus no cenário político desde então, o “Centrão” se compôs com Michel Temer e surfou na onda de Bolsonaro. O capitão, egresso de algumas visitas à Câmara quando foi deputado por 27 anos, conhece profundamente as entranhas e os instintos primitivos desse agrupamento, de que fazem parte políticos paraibanos conhecidos, como o deputado federal Aguinaldo Ribeiro, do PP.
Sobre a estratégia de agora, que é ensaiada para dar fôlego e sobrevida a Bolsonaro, líderes do “Centrão” começam a resmungar que é um negócio que vai dar errado tanto para o presidente como para o agrupamento. Um dos expoentes disse que a estratégia foi tentada no passado pela ex-presidente Dilma Rousseff e, mesmo oferecendo cargos estratégicos ao bloco, a petista não conseguiu evitar o impeachment. Roberto Jefferson, é claro, não concorda com avaliações desfavoráveis. No áudio de defesa de Bolsonaro, Bob foi enfático: “Se o pau cantar, essa base do Bolsonaro é muito mais forte que esse grupo fora da lei que cerca o Lula e essa esquerdalha bagunceira no Brasil. Você tem aí os evangélicos, os pastores, você pega a rede social e são os homens que começam o discurso falando em Deus”.
Bolsonaro, livre da sombra de Sergio Moro, parece estar do jeito que o capeta gosta – sem amarras para governar apenas com a companhia dos filhos. Quanto ao resto, o governo coopta sem muito esforço. Esta é a crença que alimenta as fantasias de poder do presidente da República, que além de agora interferir totalmente no ministério da Justiça, avança para tentar controlar o Exército e movimenta-se para tratorar em definitivo seus rivais de plantão: o presidente da Câmara, Rodrigo Maia e o presidente do Senado, Davi Alcolumbre. Boa sorte, capitão. Mas não esqueça: o poder pode muito, mas não pode tudo!