Kubitschek Pinheiro
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Hoje cedo fui passear pelo jardim. Lembrei que nunca moramos numa casa com árvores e flores. Nossa casa era numa esquina e o Clube ficava na outra esquina. Lembrei de coisas tristes. Minha mãe ficava longos dias sem falar com meu pai. Eu não entedia, eu era o caçula. É muito triste duas pessoas que moram juntas e que já se amaram tanto e sequer, dão bom dia.
Quando minha mãe queria uma coisa – dinheiro, para ir ao mercado, ou meu pai avisar que ia a viajar, ambos mandavam os recados por mim. Uma canção triste ilustra minha saudade.
Na hora do almoço, minha mãe dizia: “vai dizer ao teu pai que o almoço tá na mesa”, e eu não sei por que ele sabia a hora e ficava esperando na calçada. Meu pai era tão bom!
Eu não sou um homem metódico, mas acolhi a maturidade com sina, embora eu seja um homem triste. Cresci numa cidade entre montanhas. Todos que cresceram nessa época são testemunhas do renascimento de uma cidade. Outra cidade. Casas foram derrubadas. Ou seja, a cidade em que nasci não existe mais. Só a catedral, que é um coração, jamais um músculo.
O certo é que meu pai não era careta, nem covarde. A temporada sem falar com minha mãe o deixava triste, mas ele disfarçava e eu não entendia como duas pessoas juntas ficavam mudas de repente. Meu pai me empurrou para a vida.
Minha mãe nunca soube nada de música, mas nos tempos de São João meu pai assobiava “Assum Preto” pelos aposentos da casa. Era lindo, mas era triste. Tempos depois ouvíamos juntos: “Cantar nunca foi só de alegria, com tempo ruim, todo mundo também dá bom dia!”
Pulando de casa. Tínhamos um cachorro moreno chamado Dorival, era lindo, tinha os olhos verdes. Tantas vezes fiz bilhetes amorosos ou desenhos eróticos e colocava na boca do cão que ia até minha mulher e fazia a entrega. Isso parecia um filme.
Hoje quando brigamos não tem como fechar a cara. Não temos mais o cachorro para levar os bilhetes e o menino Vítor já é um homem.
Saí do jardim agora enxergando coisas vivas e frágeis, mas não vi os gerânios que brotavam das rachaduras.
O abismo do amor nos faz eternos prisioneiros.
Ilustração Foto Marconi Ferreira