Nonato Guedes
Não é de bom tom subestimar o potencial bélico do presidente Jair Bolsonaro para se segurar no governo, desafiando ostensivamente os ensaios de processo de impeachment que começam a congestionar a pauta da Mesa da Câmara Federal. Sugiro aos leitores que acompanhem atentamente o raciocínio exposto pela colunista Dora Kramer na revista “Veja”. Ela fala sobre o ponto que tem alimentado as conversas ao centro político sobre os recursos de que o presidente lançará mão para sair da enrascada em que se encontra, com o desgaste de imagem e o risco de consequências alarmantes derivadas da pandemia do coronavírus. O relato maquiado da situação do país, em caso de desastre, é uma das saídas do presidente, mas não considerado o mais preocupante.
– O inquietante reside no constantemente aludido poder da caneta. Nesse campo, Bolsonaro perdeu muito mas ainda conserva ferramentas. Por exemplo: a de decidir prorrogar indefinidamente a concessão dos 600 reais aos necessitados – analisa Dora Kramer, acrescentando, com olhos de lince: “Seis notas de 100 reais no bolso e de lá para o balcão do armazém têm o condão de atrair a idolatria de um contingente enorme de eleitores. Por muito menos, os 180 reais do Bolsa Família, Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu se reeleger com tudo o que o escândalo do mensalão já havia contado aos brasileiros sobre os esquemas de corrupção do Partido dos Trabalhadores”. Esse dinheiro, nota a jornalista, é dado diretamente pelo governo federal, que alijou governadores e prefeitos do processo desprezando sistemas de cadastramento locais para concentrar a distribuição na Caixa Econômica.
Essa metodologia é responsável, aliás, por aglomerações pelo país afora à porta de agências. Mas, adianta Dora Kramer, “o que é isso para larga parcela do público diante do dinheiro na mão? Essa é, na análise dos seus antagonistas de fora dos polos radicalizados, a arma que Jair Bolsonaro guarda engatilhada para acrescentar ao discurso de que tinha razão, fez sua parte, mobilizando recursos para a Saúde, e ainda manteve o ministro Luiz Henrique Mandetta até o limite do que alega se tratar de provocações como justificativa para a demissão. Se vai dar certo, são outros quinhentos, a respeito dos quais a realidade dirá”. O raciocínio da colunista parece impecável diante do que se conhece de Bolsonaro, ou seja, o estilo populista com que governa, buscando comunicação direta com apoiadores nas ruas (ou nas casas, nestes tempos de quarentena) e evitando, ao máximo, compartilhar com governadores e prefeitos os reflexos de medidas positivas ou de alcance social.
É indiscutível que a sociedade brasileira, hoje, está dividida sobre a tese recorrente de convivência com medidas de prevenção ao coronavírus em paralelo com a retomada de atividades econômicas que estão paralisadas e provocando desemprego em massa, além de provocar efeito colateral no Produto Interno Bruto. Bolsonaro, que não quer fazer papel de “mão aberta” na crise de Saúde Pública, é abertamente favorável à reabertura do comércio e de outras atividades, até porque descrê do que acha “prognósticos científicos alarmantes”. Já resumiu sua postura na frase de que tudo não passa de uma “gripezinha”.
Os pontos de vista do presidente da República são embasados puramente no “achismo” e nem de longe batem com as estatísticas divulgadas pelo próprio Ministério da Saúde do seu governo e pela Organização Mundial de Saúde acerca da proliferação da pandemia da covid-19. Mas Bolsonaro, que gosta de testar o tempo todo os seus limites, aposta alto, ou seja, que tirará proveito da própria crise no final das contas e, com isto, pavimentará o terreno naturalmente para a reeleição em 2022 ao Planalto, que é seu projeto obsessivo. Foi por pensar assim que Bolsonaro esticou a corda com o ex-ministro Luiz Henrique Mandetta até onde deu, decidindo, finalmente, exonerá-lo por não confiar mais nas suas ações, de tão notórias que eram as divergências. Também por intuição Bolsonaro aceitou o pedido de exoneração do ministro da Justiça, Sergio Moro. Ele sabia que apenas setores médios e de elite da sociedade se debatem sobre a inconveniência ou não da saída de Sergio Moro. Acredita que seu eleitorado não incorpora esse tipo de discussão ou de preocupação.
A imprevisibilidade da conjuntura – sobretudo, a conjuntura sanitária – é que favorece Bolsonaro até certo ponto. Por exemplo: os pedidos de impeachment formulados contra ele não são apreciados ainda na esfera da Câmara. O presidente Rodrigo Maia deixou claro, ainda ontem, na TV Globo, que a prioridade máxima continua sendo a de salvar vidas em meio á guerra contra o coronavírus e, ao mesmo tempo, achar uma saída para a crise econômica que está vindo a reboque. Enquanto isso, Bolsonaro faz demagogia, acenando com recursos para Estados e municípios, enquanto aposta todas as fichas na sua meta maior: a volta do emprego. Ou, se não for possível, a adoção de medidas para atenuar os impactos de uma crise sem precedentes. É por fatos assim que convém não subestimar os passos de Bolsonaro nem sua estratégia. Como diz Dora Kramer, não dá para provar que ele é louco. Bolsonaro ainda não foi visto rasgando dinheiro.