Nonato Guedes
Em artigo publicado na revista “Veja” o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega admite que a crise da covid-19 tem exigido forte intervenção do Estado, exemplificando que governos de diferentes matizes ideológicos buscam salvar vidas, direcionar recursos para os mais vulneráveis, preservar empregos e evitar a desorganização da economia. Lembra que tudo isso reflete uma ação tópica em circunstâncias como as atuais e lamenta que parte da esquerda tenha comemorado o que lhe parece o fim do neoliberalismo. “O neoliberalismo não acabou”, adverte o economista paraibano.
Maílson historia que desde a Grande Depressão dos anos 1930 entende-se que o Estado é insubstituível no combate a crises súbitas e graves como a que o mundo enfrenta, hoje, com o coronavírus. O conceito predominante é o de que somente o Estado reúne as condições institucionais para mobilizar vastos recursos fiscais, injetar liquidez na economia e atuar amplamente no campo social. Passada a emergência, cabe-lhe decidir como distribuir os custos da intervenção, inclusive mediante tributação dos mais favorecidos. Mas, segundo Maílson, nem mesmo ultraliberais se furtam a adotar medidas para enfrentar a situação, daí a atuação do Ministério da Economia e do Banco Central nas áreas tributária, monetária, creditícia, trabalhista e da despesa pública. “É o padrão observado em todos os países, variando apenas em razão das possibilidades de cada um e das formas de aprovação e implementação”, prossegue.
O ex-ministro pontua que a esquerda costuma referir-se a políticas econômicas neoliberais em tom depreciativo e busca traduzir a ideia de insensibilidade perante situações de pobreza, desigualdade e desemprego. “O epíteto se aplica particularmente a minorias que pregam o Estado mínimo. Dificilmente a depreciação corresponde à realidade”, emenda. No reverso da medalha, afirma que o neoliberalismo enfatiza o valor da concorrência no mercado como essencial à promoção do desenvolvimento. A competição resulta fundamental para a alocação eficiente dos recursos e a elevação da produtividade, que é a principal fonte de expansão do emprego, da renda e da riqueza.
“Ao contrário do que se diz, o neoliberalismo não crê na autorregulação do mercado, mas sim no apoio e na vigilância das instituições do Estado para que o setor privado exerça sua função de gerar prosperidade. Além disso, recomenda a intervenção do Estado para regular os monopólios naturais, como os de energia elétrica, distribuição de gás, suprimento de água e saneamento básico. E também para a regulação do transporte aéreo, ferroviário e rodoviário. Ações sociais focadas em segmentos menos favorecidos, incluindo transferências condicionadas de renda, integram o cardápio de boas políticas neoliberais voltadas para combater a pobreza e a desigualdade. O mesmo pode ser dito de políticas públicas nas áreas de educação e de sua qualidade, de saúde e de segurança” – enfatiza Maílson.
E conclui: “Nenhum pensador neoliberal apoiaria a intervenção estatal que caracterizou a política econômica do PT entre 2006 e 2015. Tampouco apoiaria sua política de escolha de campeões nacionais, menos ainda a desastrada Nova Matriz Econômica do governo Dilma Rousseff, cujos enormes custos ainda hoje pagamos. A esquerda que celebra, sem razão, o fim do neoliberalismo, deveria dizer se anseia o retorno triunfal da Matriz”.