Nonato Guedes
O desembargador José Ricardo Porto, presidente do Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba, fiel à sua vocação legalista e em sintonia com diretrizes emanadas do TSE, apega-se ao cumprimento do calendário que prevê a realização de eleições para prefeitos, vice-prefeitos e vereadores, em dois turnos, este ano, o primeiro a quatro de outubro, o segundo no dia 25 do mesmo mês. O dirigente da Corte não ignora problemas que podem inviabilizar o pleito, derivados de consequências da pandemia do novo coronavírus, e está atento à hipótese de excepcionalidades como prorrogação dos atuais mandatos ou adiamento do pleito para dezembro, quando se terá uma radiografia mais segura das condições sanitárias do país como reflexo da pandemia. Nota, porém, que tais excepcionalidades estão sendo discutidas na esfera da classe política, não no âmbito do Judiciário – que não foi provocado a manifestar-se sobre elementos subjetivos.
É evidente que a manutenção do calendário eleitoral, como tem sido apregoada pelo presidente do Tribunal da Paraíba, está correlacionada à adoção de providências preventivas mais rigorosas se até outubro a curva da calamidade tiver adquirido proporções alarmantes, ou, no mínimo, preocupantes. Nesse contexto, o desembargador José Ricardo Porto concorda que seja debatida a supressão de eventos públicos causadores de aglomerações como comícios ou carreatas. Tem consciência, pelas informações dos especialistas, de que o vírus do Covid-19 adora circular em ambientes onde há intensa concentração de pessoas e, neste caso, todo cuidado é pouco, toda prevenção se impõe para não facilitar o contágio. Afinal, observa o dirigente do TRE-PB, há praticamente um esforço de guerra por parte das autoridades de todo o país para controlar focos de disseminação.
Na verdade, a Justiça Eleitoral está entre a cruz e a caldeirinha na atual conjuntura diante da preocupação generalizada com os reflexos da pandemia do novo coronavírus. A situação de emergência que o Brasil está enfrentando é um terreno fértil para a proliferação de propostas antidemocráticas, confrontadas com a perspectiva da realização de eleições, inscrita no calendário. A prorrogação, que já foi implantada no país sob outro pretexto, o da coincidência de eleições, que, no geral, nunca existiu, foi um achado para gestores e esquemas políticos interessados em se perpetuar no poder ou empenhados em desfrutar das suas benesses por mais um tempo. Por isso mesmo, por atender a interesses restritos, de grupos, a prorrogação é sempre antipática, passível de resistências e de contestações por parte de gregos e troianos. Mas, dentro da atipicidade, pode ser considerada.
A projeção de mudanças no calendário político-eleitoral devido a fatores excepcionais como uma pandemia de gravidade inquestionável é um quadro novo para os mais variados segmentos que compõem a sociedade brasileira. Por isso é que a hipótese de alterações tem sido avaliada com bastante equilíbrio, com muita ponderação, para não abrir a guarda à prevalência de instrumentos autoritários. Uma ameaça tanto mais concreta quando se tem, na presidência da República, um cidadão que não esconde ímpetos fascistas, que se incomoda ostensivamente por estar sendo controlado pelos mecanismos democráticos vigentes. É a democracia que temos, com todas as limitações de que se reveste, que contém os impulsos do presidente Jair Bolsonaro de avançar por outras esferas de competência, apequenando ou ferindo de morte o princípio da independência dos poderes da República.
Já foi dito que a sociedade brasileira enfrenta duas crises de indiscutível gravidade: a crise sanitária e a crise política, esta resultante da situação de vulnerabilidade a que o presidente da República está exposto, enfrentando pedidos de impeachment que se acumulam nas gavetas da Câmara dos Deputados, por acusação de crime de responsabilidade. Juntos, os dois impasses são de alto teor explosivo e produzem combustão inquietante. A crise gerada pelo governo poderia ter sido evitada se este se pautasse dentro dos limites estritos da Constituição. Infelizmente não o faz, senão do ponto de vista da retórica, de que abusa até dizer basta. Seria uma dor de cabeça a menos para uma população que precisa do mínimo de serenidade para refletir sobre as formas apropriadas de enfrentamento da pandemia. Tudo fica muito mais calamitoso quando os interesses políticos exclusivistas se sobrepõem aos interesses públicos de dimensão. É aí que o bom senso se torna imperioso.
Não deixa de ser louvável e digna de registro a postura que vem sendo demonstrada pelo presidente do Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba, juntamente com outras autoridades que compõem a instituição. O desembargador José Ricardo Porto revela altivez combinada com sensibilidade na gestão de uma conjuntura tão dramaticamente complexa, inédita na história recente do Brasil. Não é nada, não é nada, mas é uma exceção que age como lenitivo em situação indiscutivelmente angustiante como a que vivemos. O espírito garantidor do dirigente da Corte permite a ilação de que não haverá exageros nem precipitações nos tempos difíceis que estão em vigor.