Nonato Guedes
Ao fazer um balanço na despedida do ministério da Justiça e da Segurança Pública do governo Bolsonaro o ex-juiz Sergio Moro falou vagamente de êxitos alcançados no combate à criminalidade no país – e só. Não havia, mesmo, muito o que apresentar em termos de resultados, a despeito de a Pasta ter sido encarada como estratégica na gestão do capitão e de Moro ter sido tratado, na largada, como um superministro. Na matéria sobre o anúncio da escolha de Moro, em novembro de 2018, a revista “Veja” apontou que a missão dele seria manter o combate sem tréguas à corrupção, como vinha fazendo na operação Lava Jato, e abrir uma nova frente: o combate à criminalidade, uma das principais bandeiras da campanha de Bolsonaro.
O combate à corrupção continuou sendo executado, não propriamente por iniciativa do ministério da Justiça, mas como continuidade de ações de órgãos policiais e de controle e fiscalização, tal como se deu ainda no governo de Michel Temer. Esses organismos adquiriram tamanha repercussão perante a sociedade que qualquer tentativa de detê-los desencadearia reações imprevisíveis de segmentos mais ativos. Moro foi praticamente espectador de muitas das operações deflagradas, sem ter necessariamente um grande poder de ingerência. A história de superministro era balela, como quase tudo na propaganda do governo de Bolsonaro. O capitão detesta sombra. Assim é que CGU, MPF e, em Estados como a Paraíba, o Gaeco, respaldados pela colaboração da Polícia Federal, puderam prosseguir na empreitada de coibir ações delitivas de agentes públicos.
Em nota divulgada após aceitar o convite para ser ministro, Moro afirmou: “A perspectiva de implementar uma forte agenda anticorrupção e anticrime organizado, com respeito à Constituição, à lei e aos direitos, levou-me a tomar esta decisão. Na prática, significa consolidar os avanços contra o crime e a corrupção dos últimos anos e afastar riscos de retrocesso por um bem maior”. O presidente eleito Jair Bolsonaro apressou-se em corroborar essa narrativa assegurando que Moro teria carta branca absoluta para desempenhar a cruzada a que se destinara. Na prática, a atuação do superministro passou a ser sabotada – um exemplo disso foi a autonomia que perdeu sobre o Coaf, órgão que fiscaliza as transações financeiras no país. Enfim, foi minado dentro da Polícia Federal, quando certas investigações avançavam por ligações perigosas de apadrinhados (familiares ou políticos) de Bolsonaro.
Moro sentiu, então, que estava sendo instrumentalizado por Bolsonaro como peça de propaganda do seu governo. Afinal de contas, o ex-juiz adquirira status de celebridade internacional pelo desempenho à frente da Lava Jato e por atitudes corajosas como a de decretar a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que ainda é um “mito” para entidades internacionais, apesar de tudo o que aprontou, em termos de conduta antiética, à frente do governo. Em tese, Sergio Moro estava perfeitamente apetrechado, como definiu a “Veja”, para ser um ministro da Justiça altamente eficaz. “Conhece os meandros da corrupção no mundo oficial, já tomou decisões jurídicas sobre assuntos ligados à criminalidade e, por tudo isso, talvez tenha um perfil particularmente adaptado ao cargo”, especulou a “Veja”.
A mesma revista não deixou de alertar, porém, que Sergio Moro, ao abandonar a Lava Jato e entrar na política, terreno que jamais pisaria, como chegou a dizer incontáveis vezes, acabava de protagonizar o movimento mais temerário de sua carreira, o equivalente a um salto triplo carpado. No que diz respeito à Lava Jato, curiosamente, foi no governo do presidente Bolsonaro que a operação passou a se deparar com dificuldades operacionais. Também colecionou focos de desgaste, com a divulgação, pelo site The Intercept, de gravações de conversas entre Moro, ainda juiz, e procuradores da Lava-Jato, sobre procedimentos contra políticos como Lula. Pareceu abalada, nesse ponto, a imparcialidade de que se jactava Sergio Moro.
Seja lá o que tenha acontecido, a passagem de Sergio Moro pelo ministério da Justiça e da Segurança Pública não correspondeu à ampla expectativa favorável que havia se formado junto a segmentos expressivos da sociedade. Ocorria, às vezes, de Moro sinalizar que estava avançando em algumas medidas de fôlego e constatar-se, na prática, a fragilidade do alcance e da operosidade dessas medidas, de tal sorte que o superministro foi diminuindo de tamanho na estrutura do poder federal. Isto teve reflexos, colateralmente, no andamento da Lava Jato. Embora há quem avalie que antes de Moro ser ministro a Lava Jato já tinha cumprido seu papel havia o rescaldo do contencioso – e a impressão que ficou é a de que ele não foi equacionado a contento.
Opinou o professor Davi Tangerino, da Fundação Getúlio Vargas, que a ascensão de Sergio Moro ao ministério era relevante porque ele agregava credibilidade ao discurso político de Bolsonaro, de combate à corrupção, e, no governo, seria um avalista do Estado democrático. “Custaria crer que um juiz federal que provou que era possível combater a corrupção usando o Estado democrático de direito possa futuramente sucumbir ao discurso antidemocrático”, disse o professor Tangerino. Pois é, professor! O Moro até que não foi tão antidemocrático assim. Já Bolsonaro e sua turma, ainda hoje dão o que falar. E se deixarem, eles irão longe, na liquidação desse Estado democrático de direito.