Nonato Guedes
O ato virtual alusivo ao Primeiro de Maio, que agregou figuras como os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso, Dilma Rousseff, Luiz Inácio Lula da Silva, ex-candidatos a presidente como Ciro Gomes e Marina Silva e pretenso candidato a presidente como Flávio Dino, governador do Maranhão, alimentou especulações quanto à formação de uma frente ampla de esquerda que viesse a ter desdobramento nas eleições de 2020 para derrotar o que seria um inimigo comum – o atual presidente Jair Bolsonaro, um obcecado pela hipótese da reeleição a despeito dos sistemáticos ensaios de processo de impeachment. Apesar da expectativa ensejada, não há indícios concretos de que tal frente venha a se consolidar. O PSDB, partido de Fernando Henrique, deverá apostar em candidatura própria mais ao centro, possivelmente com o nome do governador de São Paulo, João Doria.
É especificamente no campo da esquerda que as divergências são mais profundas ou acirradas e já houve uma espécie de prévia nas eleições de 2018. O Partido dos Trabalhadores é prisioneiro da concepção monopolista do ex-presidente Lula da Silva, segundo a qual a legenda, com todos os escândalos de que foi acometida, ainda é a voz sonora dos agrupamentos antagônicos a Bolsonaro ou à nova direita que tenta marcar presença na conjuntura brasileira. O máximo que Lula admite, em termos de concessão, é ele não poder ser candidato novamente ao Planalto devido a obstáculos legais que o alcançam no capítulo da inelegibilidade. Mesmo em relação a isso, vai continuar tentando esgotar recursos para vir a ser beneficiado, já que não se contenta apenas em estar fora da prisão. Mas, em último caso, admite ceder novamente a vaga – de preferência para Fernando Haddad, testado no páreo de 2018. Senão Haddad, para outro nome com a impressão digital do PT e o número 13 tatuado na testa.
Lula raciocina friamente com a necessidade de continuidade do projeto PT-Poder, que foi interrompido bruscamente com o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff em 2016 e que enfrentou desgaste inevitável com a decretação da prisão do próprio Lula, por mais que este tenha construído habilidosamente a narrativa do golpe (no caso da queda da primeira mulher a ascender ao cargo na história do Brasil) e a narrativa da perseguição, no seu caso específico – movida, segundo ele, pelo ex-juiz Sergio Moro, também agora ex-ministro da Justiça e Segurança de Bolsonaro e presumido presidenciável para 2022. Voltar ao Palácio do Planalto significa, na opinião de Da Silva, a retomada, que o PT considera legítima, do poder que lhe teria sido subtraído quando Dilma foi defenestrada e, na sequência, substituída pelo ex-vice, o emedebista Michel Temer, já rotulado pelo petismo como “traidor”.
Por isso, e por acreditar, intimamente, que o processo de impeachment pode ser levado à frente, independente de articulação mais direta do Partido dos Trabalhadores, é que Lula aposta fichas num novo ciclo de protagonismo petista, o que equivaleria a uma “reparação” pelo impeachment de Dilma e pelo desmonte do PT no bojo dos processos que dizimaram quadros muito caros à trajetória da agremiação fundada em fevereiro de 1980 no Colégio Sion, em São Paulo. A saída de Lula da cadeia, se em parte enfraqueceu o discurso do petismo, possibilitou ao “pajé” espaços de maior mobilidade para tentar abrir canais de interlocução com outros segmentos de oposição ao governo que está aí. Pressentindo a dificuldade no campo partidário, já que outras legendas recusam o monopólio petista, Da Silva promove movimentos experimentais para a retomada do “status quo ante”, ou seja, a reinserção da legenda nos movimentos sindicais e sociais, dos quais se distanciou quando passou a ser Poder.
Lula sabe que do ponto de vista partidário-institucional terá dificuldade para convencer Ciro Gomes a abrir mão de uma candidatura, novamente, a presidente da República, e que o mesmo se dará em relação ao governador do Maranhão, Flávio Dino, que, embora oriundo de um Estado inexpressivo, comparado aos pesos-pesados do Sul, Centro-Sul e Sudeste, canaliza adeptos no próprio território da esquerda e/ou da oposição a Bolsonaro, com quem já polarizou publicamente em várias oportunidades. Dino, como Ciro, deverá pretextar que tem o direito de posar como candidato pelo menos no primeiro turno, abrindo vagamente canais de interlocução na eventualidade de um segundo turno. É isso que mina a estratégia do PT para impedir Bolsonaro de abocanhar um novo mandato, se até lá não tiver sofrido impeachment.
Lula e o PT terão desafios enormes pela frente, por mais que o governo do presidente Jair Bolsonaro continue cometendo erros em série e perdendo votos junto a camadas influentes do eleitorado que optaram pelo capitão em 2018, crentes de que se tratava, realmente, do “novo” na cena nacional. O partido de Da Silva, em tese, deverá puxar a polarização anti-governo em 2020. A grande dúvida é apostar que terá munição para reaver o que foi perdido com a autossuficiência de Dilma Rousseff e com a revanche da classe política contra a ex-mandatária deslumbrada.