Nonato Guedes
Uma das figuras mais controvertidas da política brasileira, Paulo Maluf nunca escondeu que o seu grande sonho era ser presidente da República. O projeto, entretanto, não logrou êxito. Maluf concorreu por via indireta, no Colégio Eleitoral, em 1985, e foi derrotado por Tancredo Neves. Em 1989, quando transcorreu a primeira eleição direta, já virada a página da ditadura militar que durou 21 anos, Maluf encarou o voto direto e ficou em quinto lugar. A eleição de 89, decidida em segundo turno, foi polarizada por Fernando Collor de Mello, o vitorioso, e por Luiz Inácio Lula da Silva. Foi uma das mais concorridas eleições presidenciais da história, contando com nomes como os de Leonel Brizola, Ulysses Guimarães, Mário Covas, Ronaldo Caiado, Guilherme Afif Domingos.
Uma particularidade na biografia de Maluf é que ele, mirando com antecedência a chegada ao Palácio do Planalto, pôs em prática estratégia para se firmar politicamente no Nordeste, onde não era conhecido. Sua base principal era São Paulo, onde foi prefeito, governador e deputado federal. A investida sobre o Nordeste se deu, principalmente, na eleição indireta, quando a moeda corrente era o voto de delegados estaduais dos dois partidos com existência consentida – a Arena e o MDB. Os delegados com direito de voto no colégio eleitoral dividiam-se entre deputados federais, deputados estaduais, senadores e outras lideranças políticas. Maluf perdeu para Tancredo (MDB) porque um agrupamento influente abriu dissidência já no PDS, sucedâneo da Arena, formando o Partido da Frente Liberal (PFL) e aderindo ao representante da oposição. O vice de Tancredo, que acabou assumindo com a morte deste, foi José Sarney, ex-presidente da Arena, partido de sustentação da ditadura militar.
Dentro da estratégia de massificação de sua imagem no Nordeste, Paulo Maluf veio dar com os costados na Paraíba, quando então exercia o governo de São Paulo, que conquistara por via indireta em 78 mas em clima de disputa contra Laudo Natel, ambos remanescentes da base de sustentação do regime militar. No começo dos anos 80, Maluf desembarcou em João Pessoa para paraninfar uma turma de formandos de Engenharia. Acabou sendo vaiado, em plena cerimônia, por um grupo de estudantes. A vaia foi logo abafada pela claque do governador paulista, que respondeu com aplausos. Em agosto de 1980, além de vir a João Pessoa, Maluf foi a Campina Grande, onde permaneceu por quase cinco horas. Políticos que lá se encontravam disseram a jornalistas: “O Maluf soube começar bem sua campanha para presidente da República. Escolheu a Paraíba, um Estado onde as disputas entre lideranças são menores do que em outros Estados”.
Durante dois dias, Maluf fez questão de ser a figura central na Paraíba e aparecer como “salvador” do Estado pobre. Além de investir em contatos políticos e oferecer apoio técnico-financeiro a empreendimentos locais, o governador de São Paulo acenou com favores e promessas de benefícios a deputados de várias tendências que dele se aproximaram. Num debate de que participou na Assembleia Legislativa da Paraíba, Paulo Maluf abriu as portas do Banespa e recomendou publicamente ao vice-presidente do banco não haver limite para operações em favor da Paraíba, “desde que feitas regularmente”. Assessores do governador, tal como foi registrado em uma matéria do jornal “O Estado de S. Paulo”, aproveitaram a ocasião para oferecer cheques especiais e outras vantagens a jornalistas.
Maluf aprofundou suas visitas ao estado à medida que se aproximavam a convenção do PDS, na qual concorreria contra o então ministro do Interior, Mário Andreazza, e, posteriormente, a eleição no colégio indireto, em que perdeu para Tancredo. A vitória sobre Andreazza foi pacífica, diante das táticas de aliciamento empregadas por Maluf valendo-se do rolo compressor da máquina do governo de São Paulo. Andreazza, a despeito do poderio como ministro, era tido como antipolítico. Houve um episódio na Paraíba que entrou para o anedotário político. Ciceroneado por Wilson Braga, então governador, ele foi apresentado no aeroporto Castro Pinto a convencionais do partido oficial. Chegada a vez do deputado estadual Aloysio Pereira, Wilson definiu-o como filho do “famoso coronel José Pereira”, expoente da República de Princesa Isabel, interior da Paraíba, celebrizada nos primórdios da revolução de 1930. Andreazza, desatento e desinformado, reagiu: “Sei quem foi (Zé Pereira). Ele inspirou aquela célebre marchinha de carnaval”. E cantarolou: “Viva Zé Pereira, viva Zé Pereira…”. Aloysio, ofendido, recolheu a mão estendida para o aperto e anunciou que não votaria em Andreazza.
Maluf aprontou muitas histórias na cena política brasileira. E adquiriu grande protagonismo, infelizmente como a encarnação do Mal na disputa maniqueísta com Tancredo Neves, quando a sociedade brasileira estava mobilizada pela volta da democracia e pelo adeus à ditadura. O ex-governador de São Paulo deu origem a uma expressão incorporada à língua brasileira – o verbo “malufar”, que virou sinônimo de roubar, tal como descrito por enciclopedistas. Quanto a ser presidente da República, parece que o pleito não constava do seu horóscopo, a julgar pelas derrotas em série acumuladas.