Ministros do Supremo Tribunal Federal ficaram incomodados com a ida, ontem, do presidente Jair Bolsonaro à Corte, com um grupo de empresários, para pressionar pela reabertura das atividades econômicas em plena pandemia do novo coronavírus. Integrantes do Supremo viram o gesto do presidente como uma interferência indevida do Palácio do Planalto no Poder Judiciário. Em outra frente, nos últimos dias, a proximidade do presidente da Corte, Dias Toffoli, com Bolsonaro, passou a ser alvo de críticas no Tribunal.
Segundo a “Folha de S. Paulo”, nos bastidores a principal irritação dos magistrados foi com a tentativa de Toffoli de buscar entendimento com o governo enquanto um membro da Corte, Alexandre de Moraes, era alvo de ataques do presidente por ter barrado a nomeação de Alexandre Ramagem para a direção-geral da Polícia Federal. Na opinião de alas distintas do STF, o gesto de Toffoli deixou a instituição fragilizada num momento em que era necessário demonstrar força e teria aberto espaço, por exemplo, para atitudes de Bolsonaro, como a visita de ontem. Diante da insatisfação com os acenos ao Planalto em meio ao fogo cruzado entre os Poderes, Toffoli recuou e procurou endurecer o discurso contra o chefe do Executivo.
Mais de uma semana depois de Bolsonaro atacar Moraes, o presidente do STF resolveu dar uma resposta na quarta-feira. Além disso, três dias depois de militantes bolsonaristas agredirem jornalistas, no último dia 3, Toffoli saiu em defesa da imprensa e criticou o comportamento dos manifestantes. A avaliação dos integrantes do STF é de que a ida de Bolsonaro soou como uma tentativa de dividir responsabilidades com o Judiciário num cenário de piora da economia. Para ministros, o Supremo não pode ser culpado por eventual recessão, uma vez que o papel do Judiciário não é de avaliar de antemão os gestos do presidente, mas julgar atos dele, caso provocado. De surpresa, e fora da agenda das autoridades, Bolsonaro atravessou a pé a Praça dos Três Poderes em Brasília e levou um grupo de empresários ao Supremo para relatar a Toffoli os impactos do isolamento social na iniciativa privada. O ministro da Economia, Paulo Guedes, estava na comitiva.
Segundo relatos, o presidente do STF não estava na Corte quando foi avisado de que Bolsonaro gostaria de fazer uma visita acompanhado de empresários. Assessores do tribunal foram contatados pelo advogado geral da União, José Levi do Amaral, que falou sobre o interesse do chefe do Executivo de ir até lá. A forma como Bolsonaro organizou a ida de sua comitiva, a pé, e pela Praça dos Três Poderes, também surpreendeu Toffoli e outros ministros. O presidente do STF não teria se irritado com a visita mas disse nos bastidores ter lido o gesto como um sinal de que o presidente não tem uma resposta a dar aos empresários que o cobram e, por isso, busca o Judiciário para que solucione a questão.
Toffoli também foi pego de surpresa com a transmissão ao vivo da reunião por Bolsonaro. O ministro havia autorizado a cobertura do encontro pela imprensa, mas não que o presidente a transmitisse porque não fora consultado. No início da noite, na porta do Palácio do Alvorada, Bolsonaro ressaltou a apoiadores que “parte da responsabilidade” com relação às restrições de circulação é dele. Ele afirmou que o encontro ocorreu para que o ministro ouvisse não apenas ele mas os empresários que o acompanhavam. “A gente não pode ficar do outro lado da rua esperando decisões do Supremo que, às vezes, a gente não concorda, mas faz parte da democracia”, disse. Um dos integrantes do grupo de empresários chegou a comparar a situação da indústria com os efeitos da Covid-19 na saúde ao dizer que haverá mortes de CNPJs (Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas). O presidente da OAB, Felipe Santa Cruz, criticou a frase. “A população não pode mais cair em provocações que opõem dois valores e colocam o brasileiro para brigar”, escreveu, nas redes sociais.