Nonato Guedes
“De política partidária, pelo menos de política conservadora, eu não entendia nada. Na primeira eleição de Wilson Braga para deputado estadual, após o nosso casamento, eu não sabia pedir um voto. Foi na época da ditadura. Ele se elegeu pela Arena, para meu desgosto. Era a política de esquerda ou a paz no casamento”. O depoimento foi prestado pela ex-deputada federal Lúcia Braga a Glória Rabay e Maria Eulina Pessoa de Carvalho para o livro “Mulher e política na Paraíba – Histórias de vida e luta”. Lúcia, que morreu em João Pessoa no fim de semana, militava, como assistente social, em Brasília, em organizações cuja linha ideológica era próxima à esquerda. Wilson Braga, seu companheiro, oscilara do PSB para o alinhamento com a ditadura militar e com grupos políticos conservadores na Paraíba. Os dois tiveram sabedoria para conciliar divergências.
Quando Wilson decidiu se candidatar ao governo do Estado em 1982, pelo PDS, sucedâneo da Arena, Lúcia ainda questionou a pretensão do marido, mas acabou saindo de Brasília e vindo à Paraíba para se engajar intensamente na campanha. Afinal, casara com um homem político. Exercitou, então, sua liderança e a habilidade de falar em público criando um movimento de mulheres em função da campanha. Ela foi minuciosa ao relatar para as duas escritoras esse momento da sua trajetória pública inicial:
– Entrei na luta de corpo e alma. Criei o Movimento de Ação Feminina, o MAF, cujas camisetas vermelhas chamavam a atenção e eram o terror dos adversários, dos partidários de Antônio Mariz, que, então no PMDB, disputava o governo com Wilson numa eleição direta. O movimento começou na Capital e tomou conta do interior. Contávamos com valorosas companheiras, entre senhoras que nunca haviam feito política e esposas de políticos que formaram fileiras no movimento de mulheres. Foi quando comecei a fazer pronunciamentos, primeiro nas reuniões fechadas, depois nos comícios de mulheres, ousando, ao final da campanha, discursar nos grandes comícios, onde as maiores lideranças do partido se faziam presentes. A minha voz também se unia à deles, ainda titubeante e nervosa, pois não tinha nenhuma experiência de palanque. Somente sabia extravasar a minha sensibilidade para com o povo de forma espontânea e autêntica. Entrei num território completamente desprezado pela classe política conservadora: as favelas. Ali, somente o PT dominava.
Wilson Braga ganhou a eleição com o voto do interior e, como primeira-dama, Lúcia assumiu a presidência da Fundação Social do Trabalho-Funsat, inovando no trabalho de base, de caráter oficial, junto à periferia, de acordo com a filosofia do desenvolvimento comunitário. Na Funsat, Lúcia relata ter enfrentado a carência de recursos financeiros com criatividade e otimismo. Realizou os mutirões da casa própria, juntamente com a construção de escolas, centros comunitários, postos de saúde, lavanderias comunitárias, creches domiciliares, projetos de geração de emprego e renda, de apoio à pesca artesanal, a campanha Favela – Problema Nosso, as feiras de artesanato e também a distribuição de cestas de alimentos.
Lúcia rechaçava as insinuações de estar colocando em prática uma filosofia assistencialista. Nesse seu depoimento, expressou:“Fiz todo um trabalho voltado para o social e, nesse ponto, eu acredito que nós inovamos. Porque mulher de governador só fazia filantropia. A gente teve coragem de ir à luta por uma contingência normal. Eu ia o dia inteiro nas áreas, eu esquecia toda essa parte de chá, de recepção. Vivia o que era imperativo de consciência para mim, acho que eu fiz só minha obrigação. Pela primeira vez os pescadores, tal como o povo da periferia, conviviam intimamente com a esposa de um governador. Metida em calças jeans e camiseta, ia para as áreas de trabalho na periferia todos os dias. Um expediente, o da manhã, geralmente era na Funsat. O outro, em campo, atividade predileta. Às vezes, era acusada de assistencialista até mesmo pelos companheiros da Funsat, porque vivia procurando no calendário as datas que justificassem entrega de feiras aos pobres”. Lúcia foi aanti-primeira-dama. O título não fazia a sua cabeça.
Lúcia Braga confessou que não tinha, até então, pretensões de se candidatar. Nas suas palavras, “tinha um projeto social, não tinha um projeto político”. Aproveitava o espaço para fazer assistência social, consciente das oportunidades e limitações político-institucionais, do seu vínculo com Wilson Braga e da posição dele naquela conjuntura política. “Jamais passara pela minha cabeça fazer política partidária, muito menos exercer um mandato eletivo. Minha atuação se limitara, até então, em ajudar o meu marido. E agora, no seu governo, sentia-me comprometida com o povo e responsável em contribuir para a melhoria da sua qualidade de vida. Tinha a consciência exata de que atuava junto à consequência. Mas o meu espaço era limitado. Pertenciam ao partido do meu marido latifundiários, representantes do chamado Grupo da Várzea.”.
Com o tempo, Lúcia Braga conseguiu romper grilhões e se impor na plenitude de suas ideias, de suas convicções. Foi aí que ela se agigantou no cenário político nacional, reconhecida e respeitada por líderes de destaque. Com perfil de mulher guerreira, de ativista engajada, Lúcia deixou-se guiar pelo apelo contido na letra de Geraldo Vandré: “Quem sabe faz a hora/não espera acontecer”. Assim foi com essa figura extraordinária que nos deixou.