Nonato Guedes
O presidente Jair Bolsonaro, como de praxe, desdenhou o que não lhe agrada – a perspectiva de um impeachment, a despeito da pilha de propostas nesse sentido na Mesa da Câmara Federal, aguardando um passo concreto do presidente Rodrigo Maia para que haja instauração do rito adequado, diante do consenso de que há razões de sobra para acionar-se o impedimento do mandatário de plantão. Quando indagado, no pingue-pongue de ontem em Brasília, sobre os apelos que tem recebido para renunciar ao cargo e, assim, evitar que seja defenestrado, o capitão, em tom de deboche, esticou para as Calendas gregas o seu mandato, profetizando que só deixará o Palácio do Planalto a primeiro de janeiro de 2027.
Naturalmente Bolsonaro trabalha com a possibilidade de vir a ser reeleito na campanha eleitoral prevista para 2022, mas alguns institutos de opinião pública lamentam informar ao presidente que sua popularidade vem despencando vertiginosamente e que, por via de consequência, seu cacife político-eleitoral encolheu. Os bolsonaristas fanáticos dirão que ele ainda tem muita caloria para queimar e que o governo chega mesmo a ser festejado diante do auxílio emergencial que vem pagando a pessoas carentes na atual fase da pandemia do coronavírus. Se não fosse assim, políticos carreiristas de carteirinha não estariam se esforçando para pegar carona na repercussão positiva de medidas assistenciais aprovadas com o respaldo da Câmara através de sessões remotas.
Para além de fanatismos e puxa-saquismos de ocasião, Bolsonaro põe a nu – e o que é pior, evidencia perante o mundo – toda a sua profunda incapacidade de governar um país como o Brasil. Há rankings de institutos especializados e acreditados do exterior apontando o presidente brasileiro como líder do bloco dos governantes desastrados na conjuntura de enfrentamento à pandemia. Releva-se o socorro financeiro de emergência, mas critica-se ostensivamente a postura de ignorância de Bolsonaro em relação à Ciência e à Medicina, bem como o oferecimento de maus exemplos à sociedade sobre como se comportar para se resguardar diante da calamidade. Decididamente, o capitão tem provado que não está á altura do desafio histórico.
Abstraindo a situação mais grave, que é a doença calamitosa, o restante do governo é um amontoado de políticas errôneas, algumas de caráter segregacionista ou discriminatório, no que diz respeito ao conjunto da população que precisa ser beneficiada com ações públicas de caráter universal, nas esferas essenciais em torno das quais gravita a sociedade em qualquer país. A situação é tanto mais agravada por causa da falta de unidade ou de sintonia entre expoentes do governo em diferentes Pastas ou órgãos. A sociedade fica tonta com a desarticulação de ações e com o repetido comportamento errático do presidente Jair Bolsonaro, habituado a construir uma frase para as primeiras horas do dia e desmenti-la no final da tarde, quando está se preparando para encerrar o expediente formal no Planalto.
Por conta dos desacertos e da incapacidade gerencial, o governo do presidente Bolsonaro tem perdido quadros que, por assim dizer, constituíam honrosas exceções do ponto de vista de qualidades de operosidade e eficiência, a exemplo de Sergio Moro, exonerado da Pasta da Justiça porque fazia “sombra” política ao mandatário de plantão e de Luiz Henrique Mandetta, premiado a se demitir do Ministério da Saúde em virtude do profundo desgaste a que todo santo dia era submetido com atos ostensivos de desautorização de sua autoridade por parte do presidente da República. Diga-se, sem maior juízo de valor sobre a personalidade de Mandetta, que ele vinha sendo a única autoridade dentro do governo do capitão a demonstrar juízo, seguindo expressamente recomendações da Organização Mundial da Saúde quanto à imperiosidade do isolamento social, que ainda ontem foi referendado em live pelo “rei” Roberto Carlos, como medida preventiva ao enfrentamento do coronavírus.
Outros ministérios estratégicos do governo do atual presidente estavam afiados para deslanchar com a execução de obras estruturantes ou de impacto – ou, ainda, com a adoção de medidas de interesse coletivo, sinalizando um resgate de dívidas contraídas por sucessivos governos ao longo de décadas. Mas a pandemia do coronavírus e a falta de estratégia ou de visão política de alcance do presidente Jair Bolsonaro têm funcionado como obstáculos a eventuais avanços. Em paralelo, o tom beligerante que Bolsonaro adora cultivar na relação com o Congresso Nacional e com o Judiciário só piora o cenário. O recente espetáculo patético da ida de Bolsonaro ao Supremo, ladeado por empresários, para pleitear a retomada do comércio, balizou o estilo “paspalho” de governar do capitão.
As eleições presidenciais estão longe – e sua discussão não constitui prioridade para segmentos formadores da opinião pública ou para cidadãos comuns, de modo que, ao falar nelas, Bolsonaro traduz que está vivendo em outro planeta. O que irrita o capitão é que, não obstante, começam a despontar nomes de concorrentes que nem eram lembrados para um possível páreo presidencial, mas adquirem visibilidade ou musculatura em cima dos erros de Bolsonaro, do seu egoísmo e da falta de noção com que se move à frente da suprema magistratura da Nação. Ao ter a reeleição como favas contadas, Bolsonaro só pode estar blefando. Nisso, ele é muito bom.