Nonato Guedes
Nelson Teich tornou-se, ontem, o segundo ministro da Saúde do governo Jair Bolsonaro a deixar o cargo em plena pandemia do novo coronavírus que atinge picos alarmantes em algumas Capitais e localidades com grandes aglomerações no país. Antes dele, Luiz Henrique Mandetta havia deixado a Pasta após ter comandado as primeiras ações da operação de guerra do enfrentamento à Covid-19. Em comum, nos dois episódios, divergências do presidente com os auxiliares. Bolsonaro defende o uso da cloroquina no tratamento de pacientes da doença e a flexibilização do isolamento social com reabertura do comércio. Os dois ex-ministros pensavam de forma diferente.
Em relação a Nelson Teich, a sua exoneração ocorreu meros 27 dias após a sua nomeação, o que significa que não completou nem um mês no posto. Se não chegou a causar tanta comoção quanto a de Mandetta, até porque não teve tempo de criar empatia com a sociedade, a saída de Teich impactou a sociedade, seriamente preocupada com a falta de rumo do governo Bolsonaro no enfrentamento ao coronavírus. Em paralelo, o Brasil acumula mais de 14 mil mortos por Covid-19, dentro de um ritmo que chega a 800 óbitos por dia. Teich fora nomeado em abril dentro da expectativa de um maior alinhamento com Bolsonaro, que contraria o consenso científico ao insistir na adoção ampla da cloroquina no tratamento da covid-19 e minimizar a gravidade da pandemia.
Na prática, a impressão que se forma é que o Ministério da Saúde foi convertido num “puxadinho” do presidente da República para testar, obsessivamente, os limites do seu poder. Bolsonaro tem se mostrado inseguro quanto à permanência no cargo, diante do despreparo visível para gerir crises graves como a de natureza sanitária, em parceria com a crise econômica gerada pelo fechamento de postos de trabalho. Um outro fantasma que agrava a sua instabilidade é o avanço das tentativas de impeachment contra ele. A abertura de processo já recebeu sinal verde de ministros do Supremo Tribunal Federal Tribunal e, com isto, a espada de Dâmocles pende sobre a cabeça do capitão, como ceifou, inexoravelmente, a cabeça da ex-presidente Dilma Rousseff.
Quanto a Nelson Teich, tornou-se um ministro opaco, tanto porque não teve tempo para mostrar a que veio, tanto porque Bolsonaro não lhe deu liberdade para agir de acordo com as normas da Ciência e da Medicina. Isto valeu para Mandetta, valeu para Teich, vale para qualquer nome que seja designado para a Pasta da Saúde. Como afirmam articulistas da mídia nacional, Bolsonaro não deseja, de verdade, um Ministro da Saúde. Ele quer contar com “fantoches” no Ministério, com pessoas que cumpram as suas ordens e decisões, ditadas por conveniências estritamente políticas e por injunções populistas, não pelos métodos científicos que em diferentes países têm contribuído para salvar vidas e achatar a curva dos óbitos.
Teich é um bem-sucedido médico da área privada, mas sem experiência no setor público. Ao contrário de Mandetta, que assumiu posições ostensivamente desafiadoras em relação ao presidente Bolsonaro, Teich não chegou a escancarar publicamente suas discordâncias com o mandatário. Na coletiva de despedida, sequer explicou os motivos da saída, mas, novamente, ficou claro que Bolsonaro só aceita a permanência de ministros que aceitem uma subordinação completa ao chefe. Em disputas que resultaram na queda de outros ministros, Bolsonaro conseguiu impor novos nomes que acabaram cumprindo ou silenciando sobre seus planos. A saída de Sergio Moro da Justiça marcou a entrada do até agora dócil André Mendonça, que não se opôs às trocas na Polícia Federal. A queda de Santos Cruz da Secretaria de Governo em junho de 2019 retirou do governo um crítico da rede de apoio radical do presidente na internet. No lugar, entrou Luiz Eduardo Ramos, que nunca mencionou o assunto, como observa Jean-Philip Struck em análise no “Msn.com”.
O desempenho de Nelson Teich era criticado por autoridades estaduais e membros da comunidade médica, em especial em relação à lentidão no aumento do número de testes do coronavírus e na aquisição de respiradores, mas esses fatores não parecem ter influenciado decisivamente no desgaste com o presidente Jair Bolsonaro. Quem quer que seja o nomeado, parece certo que ele não durará no cargo se não estiver alinhado com Bolsonaro em alguns temas cruciais para a Saúde Pública neste momento. Bolsonaro tem profunda necessidade de demonstrar poder. Nem ignora que seus inimigos não são ministros da Saúde que agem como médicos e ministros – mas políticos que fazem avançar o processo de impeachment com a mesma velocidade com que aumenta a curva de infectados pelo coronavírus.