Nonato Guedes
Ao tomar posse como governador da Paraíba no dia 15 de março de 1983, Wilson Leite Braga (que faleceu ontem à noite em João Pessoa) relatou que encontrava o Estado a debater-se na mais séria de suas crises. “Crise econômica, crise financeira, grande crise conjuntural”. Prometia lutar para que a Paraíba voltasse a conquistar posição de destaque em relação à economia regional e nacional. Ele tomou posse numa cerimônia perante o então presidente da Assembleia Legislativa, Soares Madruga, e o desembargador Almir Fonseca, presidente do Tribunal de Justiça. Junto com ele foi empossado o vice-governador, empresário José Carlos da Silva Júnior.
A seguir, o discurso pronunciado por Wilson:
“Chego ao governo do meu Estado vivendo a circunstância política que sempre desejei, trazido por uma sucessão progressiva de mandatos e numa hora de reencontro do país com a vocação democrática do seu povo. Até hoje, ao longo de 29 anos de vida pública, nada fiz nem assumi que não fosse por mandato do povo. Um mandato após outro, oito vezes consecutivas, num exercício de necessidades e aspirações que começaram nesta Casa e abrem caminho, a partir de agora, para o mais geral e difícil desafio de minha vida pública.
Como todos vós, tenho a consciência desse desafio, do que ele significa em esforços e sacrifícios, mas precisaria não vir de onde venho, de uma região onde o cultivo tem sido mais do homem do que da terra, para não acreditar na construção de um projeto de vida que coloque a maioria dos paraibanos mais próxima da dignidade e da condição humana. Trago um compromisso que assumi na infância, que vem dos meus avós e que se fortalece com a repetição do quadro de secas cada vez mais extenso e devastador: é o de encarar o fenômeno não como um programa isolado, mas com a ação articulada de todo o governo, de modo a diminuir os efeitos da pobreza e, não, emergencialmente, os da seca. Há localidades do Brejo onde sempre chove e nem por isso a miséria é menos ostensiva.
A conclusão é que o trabalho do homem pode resultar produtivo, ainda que para isto lhe falte uma provisão regular de água. Fundamental é que se estimulem os fatores de produção de cada ambiente, tendo a vontade e a intuição do homem como fatores decisivos. Diviso outras prioridades, mas vamos completar quatro séculos sem termos superado as soluções de emergência, ficando o homem e a economia sempre à mercê de fatores estranhos à sua força e à sua vontade. Aliás, não tem sido outra, desde o registro histórico da primeira seca, a história constante do Nordeste e da Paraíba. Os relatórios oficiais, a cada período, dão o testemunho de fome e de morte. José Américo de Almeida, depois de relatar, ciclo por ciclo, todas as cores do flagelo, leva-nos à afirmação do nosso caráter: “O indivíduo não é produto do meio. Alcança, ao contrário, afeiçoá-lo às suas necessidades. A natureza não pode ser mudada em suas linhas gerais, mas pode ser modificada”. Esta é a grande lição e o nosso maior compromisso, através de ações sistemáticas, como prioridades permanentes, visando adaptar as condições do meio às necessidades básicas do homem. Para isto, além da atuação do governo como um todo, teremos uma secretaria extraordinária com a atribuição de executar o Projeto Canaã.
Encontro o Estado a debater-se na mais séria de suas crises. Crise econômica, crise financeira, grande crise conjuntural. Estamos assistindo ao declínio progressivo de todos os setores da economia: a queda dos principais produtos agrícolas, dos produtos industriais, com reflexos profundos no comércio e na qualidade de vida do povo. As tendências de baixa que se tentou corrigir em períodos anteriores, agora mais se agravaram. Pouco se esperando da agricultura, em consequência da seca, também o setor industrial apresenta índices altamente negativos:caiu em 40% a arrecadação do IPI. Caiu a produção de cimento e de açúcar, reduziu-se o consumo de energia elétrica para uso industrial. O emprego da mão de obra na indústria têxtil diminuiu em mais de 70%, na construção civil e na indústria alimentícia a queda atinge os 54%. A taxa de desemprego e de subemprego não pode ser diferente da do Nordeste, que está em 70%, sem falar no quadro das finanças, já conhecido de todos, principalmente do funcionalismo, que vem recebendo com dificuldade. Os compromissos vencidos da administração direta e indireta aproximam-se hoje, neste 15 de março de 83, dos 20 bilhões de cruzeiros. O déficit mensal do Tesouro estadual gira em torno dos 2 bilhões, o que nos deixa um saldo negativo, até o fim de ano, de 40 bilhões de cruzeiros.
É uma crise que vem de fora, agravada com quatro anos consecutivos de seca, sem que se possa imputar responsabilidade a este ou àquele governo. Esta, em linhas gerais, é a dura realidade que meu governo vai enfrentar, e para a qual tem de encontrar soluções. Soluções emergenciais, para amenizar a situação atual, principalmente colocando em dia o pagamento do funcionalismo, o grande objetivo a curto prazo; e soluções de longo prazo, atacando os problemas em suas raízes de forma a impedir que voltem a se repetir no futuro. O caminho mais imediato é o da austeridade na administração do custeio do governo, seguido com esforço obstinado das medidas de maior profundidade com vistas ao fortalecimento da base econômica. Teremos de perseguir, pelo menos, a posição que a Paraíba já ocupou em relação à economia regional e nacional. E só temos um caminho: o crescimento econômico baseado na pequena propriedade rural e na pequena indústria.
É evidente que o governo do Estado não dispõe da totalidade de meios para esse fim. Para o fortalecimento das nossas empresas, é essencial a queda das taxas de juros, a extensão do crédito, o reforço dos seus recursos próprios. Esses instrumentos estão todos nas mãos do governo federal, que, com a atuação da classe política, há de imprimir mudanças. Mas não pretendo ficar apenas à espera do governo federal. Já temos diretrizes, projetos e programas de apoio ao pequeno agricultor e ao pequeno empresário urbano. Se a fonte de toda a riqueza é o trabalho, e se dispomos de 70% da força de trabalho desocupada ou subempregada, nosso grande objetivo, consequentemente, deve ser o de criar empregos produtivos. Num estado quase totalmente inserido no Polígono das Secas, a criação de empregos implica, fatalmente, em dar maior utilização a outro importante fator de produção: o solo. Sabe-se que nossas terras são exploradas apenas parcialmente. Seu rendimento econômico e sua capacidade de gerar empregos, atualmente, não representam sequer a metade do seu potencial. Daí considerar-se, da maior prioridade, o grande projeto de captação e aproveitamento de recursos hídricos que possibilite a multiplicação de empregos e intensifique o uso da água no semiárido. Será este o Projeto Canaã.
(…) Ainda na área econômica, entendemos que a indústria deve orientar-se para absorção de nossa produção agropecuária e mineral (….) Aos que ainda não me conhecem de perto, quero garantir que a grande força de todos esses projetos e programas são os poderes de uma orientação de que não abrirei mão para executá-la. Da mínima tarefa de rotina ao programa de grande porte, serei atento e exigente no cumprimento de todas as etapas. Darei valor ao trabalhador e ao funcionário na medida em que eles se valorizem na sua tarefa. Ninguém, a não ser os aposentados, terá o privilégio do ócio remunerado. Meu grande exemplo é o do homem que planta na adversidade, perde tudo e torna a plantar. Estes não desertam, nunca se mudam, e provam que a questão da viabilidade é mais do homem do que da terra.
(…) A casa própria deixará de ser apenas um sonho ameaçado pela especulação, porque no meu governo sempre haverá uma maneira de abrigar os que não têm onde morar em teto seu. No campo da Educação, visaremos o aluno, a qualidade do ensino e só excepcionalmente a construção física da escola. Faremos recuperar e manter as unidades existentes, ocupando os espaços, sejam públicos ou por cessão particular, para atender à demanda. Farei o possível para que o ensino repercuta na vida social, torne-se uma perspectiva de vida e de trabalho, e não uma simples estatística de salas e matrículas (…) Peço a unidade para o trabalho de construção da Paraíba, para os objetivos comuns do governo e do povo, sem esperar unanimidade de juízos. Ao povo o meu juramento: darei tudo de mim para que a vitória de 15 de novembro possa resultar, nesses quatro anos, na vitória das pequenas e grandes aspirações que a democracia nos propiciou”.