Nonato Guedes
Um aspecto intrigante da trajetória política de mais de meio século do ex-governador Wilson Braga envolve sua posição em face do movimento militar de 1964, que entrou para a História como golpe ou ditadura militar-civil e que vigorou 21 anos. Não há registro formal de que Wilson tenha aplaudido com entusiasmo a eclosão da chamada ‘revolução’, embora tenha militado nos quadros da Arena, que foi feito partido de sustentação do regime. Mas também não há registro mais concreto de censura ostensiva por parte do ex-deputado às arbitrariedades cometidas, a partir da cassação de mandatos, que atingiu muitos de seus contemporâneos e alguns aliados. Ele poderia ser descrito, então, como “equilibrista”, o que combinava com sua sagacidade política intuitiva.
O escritor Altimar Pimentel afirmou em seu livro biográfico sobre Wilson Braga que a ditadura militar de 64 poupou Wilson pelo “seu comportamento moderado e manifesta habilidade política”. Como deputado federal, uma das bandeiras de Wilson foi a defesa das eleições diretas como pressuposto da plenitude do regime democrático. Ao tomar posse como governador, em março de 1983, no fecho do discurso, ele disse que não poderia se omitir a um registro inspirado pelo clima democrático “de que desfrutamos nesta hora”: ao papel desempenhado pelo presidente João Figueiredo, que havia jurado fazer do país uma democracia. Mesmo assim, ele não deixou de fazer críticas sobre discriminação contra o Nordeste, no próprio governo do presidente Figueiredo.
Wilson pareceu recolhido em relação ao tema da intervenção militar devido ao fato de que um dos seus principais adversários na cena estadual, Antônio Mariz, conquanto tenha sido deposto da prefeitura de Sousa em 64 por injunção política local e logo reintegrado ao cargo, também militou na Arena. Mariz teve, evidentemente, uma postura de maior contestação ao regime, como integrante de um “grupo renovador” da Arena, que visava mais a oxigenar politicamente a legenda do que abrir frente contra a ditadura. Esse grupo acabou avançando por temas delicados para o regime, como a defesa dos direitos humanos, mas era ofuscado, nesse terreno, pelo “grupo autêntico” do MDB, que tinha mais legitimidade para se opor à ditadura e do qual fazia parte o grande adversário de Mariz a partir de Sousa, Marcondes Gadelha, que em 82 se aliou a Braga e com ele se elegeu senador. Wilson procurou explorar em proveito de sua carreira política algumas concessões que o regime permitia, como a aposentadoria de trabalhadores rurais, sobre a qual formulou propostas e pronunciou discursos na tribuna do Parlamento.
Um grande “escorregão” na trajetória equilibrista que Wilson Braga procurava desencadear acabou se dando no governo do presidente Ernesto Geisel. Atuando na Câmara dos Deputados, Wilson cometeu a precipitação e o equívoco político de se alinhar a um grupo expressivo de parlamentares identificados com o então ministro do Exército, Sílvio Frota, que era pretendente natural à sucessão presidencial via escolha indireta. Era quase uma centena de deputados, atraídos pelo canto da sereia de um militar que acabou sendo estigmatizado como expoente da chamada linha dura do regime. Eis que articulações de Frota, de caráter nitidamente golpistas, contra a autoridade do presidente Geisel, foram descobertas e prontamente abortadas pelo “Alemão”. Que ainda sapateou em cima de Frota, demitindo-o do ministério do Exército e com isto dando o tiro de misericórdia na aventura totalitária.
Com todas as limitações que impôs ao processo de redemocratização do país, o presidente Geisel era um dos fiadores da denominada distensão lenta e gradual, que, no governo de João Figueiredo possibilitou a concessão da anistia, o retorno de exilados políticos e o restabelecimento do pluripartidarismo, mantendo intactos apenas o AI-5 (de certa forma emasculado) e o processo indireto de eleição presidencial, só devolvido às ruas em 89 com a vitória de Fernando Collor, o mentor de um governo desastrado. Ao embarcar na canoa furada de Frota, Braga deu mote a adversários que tentavam carimbá-lo como “golpista” ou “oportunista”. E foi pela necessidade de dar o troco que Wilson, mais tarde, acabou cerrando fileiras no PDT do ex-governador do Rio, Leonel Brizola, um dos exilados que havia retornado ao país nas asas da anistia e se fez estrela do alardeado “socialismo moreno”.
Wilson Braga, por assim dizer, logrou escafeder-se de anátemas ou títulos negativos que comprometessem o seu perfil ideológico e passou a retirar do baú reminiscências do período anterior à década de 60 em que foi dos quadros da UNE e, nessa condição, participou no exterior de congresso como delegado da entidade posteriormente proscrita pelos militares, que chegou a ter sua sede incendiada no Rio de Janeiro. Em paralelo, estimulou e massificou a postura mais à esquerda assumida pela mulher, Lúcia Braga, que acabara de ingressar na política, na década de 80, e na Constituinte votou alinhada com setores progressistas e de esquerda, enfrentando o desgastado “Centrão”, ajuntamento de conservadores e reacionários. De sã consciência, Wilson era um democrata, e como político cometeu os erros inerentes, pagando caro em dois revezes experimentados ao Senado e em uma tentativa frustrada de voltar ao governo em 1990. Ganhou, na época, Ronaldo Cunha Lima.