Nonato Guedes
Um projeto de autoria da senadora paraibana Daniella Ribeiro, do Partido Progressistas, adiando a aplicação do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio) de 2020 e de demais processos seletivos de acesso à educação superior como vestibulares, foi aprovado ontem na Casa, tendo como justificativa a pandemia do novo coronavírus. O texto segue agora para votação no plenário da Câmara dos Deputados. Os senadores também aprovaram uma emenda que determina que o Enem, tanto na versão impressa quanto digital, disponibilize às pessoas com deficiência a acessibilidade necessária de todos os instrumentos utilizados no exame.
A inclusão foi proposta pelo senador Romário Alves de Souza, do Podemos-RJ, alegando que atualmente não há previsão de recursos de acessibilidade no Enem digital. Por exemplo, prova em braile, prova ledor, tradutor intérprete de Libras (Língua Brasileira de Sinais), vídeo prova em Libras, prova com letra ampliada ou super ampliada, uso de leitor de tela, guia-intérprete, auxílio para a leitura, auxílio para transcrição, leitura labial, tempo adicional, sala de fácil acesso e mobiliário acessível. O projeto de Daniella Ribeiro, a primeira senadora eleita na história da Paraíba, em 2018, prevê a prorrogação automática das provas, exames e demais atividades de seleção para acesso ao ensino superior em casos de calamidade pública ou de comprometimento do funcionamento regular das instituições de ensino do país.
Segundo o parecer do projeto elaborado pelo senador Izalci Lucas, do PSDB-DF, essa prorrogação se dará até o momento em que estejam concluídas, em todo o território nacional, as atividades do ano letivo no ensino médio. Pelo parecer, o Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) fica autorizado a realizar todas as etapas preparatórias do Enem de 2020. Se aprovado no Congresso Nacional e sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), o projeto adia o Enem marcado para novembro, porque o Brasil está em estado de calamidade pública até 31 de dezembro deste ano em razão da pandemia. O projeto foi aprovado por 75 votos a favor e 1 contra.
O único senador a se opor à iniciativa foi Flávio Bolsonaro, do Republicanos-RJ, filho do presidente Jair Bolsonaro. A senadora Daniella Ribeiro, em declarações a órgãos de imprensa do Estado, ontem, revelou ter ficado sensibilizada com apelos partidos de estudantes e de entidades estudantis a pretexto de que nem todos eles têm condições sociais e financeiras de manter estudos durante a pandemia ou nem sequer têm acesso às ferramentas necessárias para o ensino à distância, como celular e computador com acesso à internet. Esse argumento vinha sendo defendido, igualmente, por secretários de Educação dos Estados e reitores de instituições de ensino.
O relator do projeto no Senado, Izalci Lucas, frisou que a realidade educacional brasileira é muito desigual e que soluções como aulas online apenas acentuam as diferenças existentes. “Como se sabe – escreveu ele – a esmagadora maioria dos estudantes brasileiros depende da escola pública, que, em geral, possui conhecidas deficiências. Lembremos que nossos alunos das escolas públicas não tiveram sequer dois meses de aulas completados neste ano letivo. Seria muito injusto submetê-los à já desigual concorrência que caracteriza os processos de acesso à educação superior”. O líder do governo no Senado, senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), disse que tentou construir um acordo entre o governo e o Senado para o projeto, mas que o entendimento não saiu a tempo antes da votação de ontem. A senadora Daniella Ribeiro criticou a postura do ministro da Educação, Abraham Weintraub, diante dos pedidos de adiamento do Enem e ressaltou que a defesa da postergação da prova apareceu como um dos assuntos mais comentados do Twitter na terça-feira.
– O que nós estamos fazendo não prejudica os outros estudantes. Isso é apenas para não reforçar a desigualdade que já existe. Qual aluno hoje tem condições de estar em casa estudando, de pagar uma plataforma de streaming, de pagar um YouTube, de ter uma aula de educação à distância, ou estudo de qualquer jeito? Livros? Que livros eles receberam? Nenhum. Quem é o professor, o autodidata? Quantos são autodidatas para estudarem sozinhos matemática, física e química? – declarou. Apesar da crise sanitária e da suspensão das aulas presenciais em todo o país há cerca de dois meses, o governo Bolsonaro tem defendido a manutenção do Enem em novembro. O ministro da Educação chegou a acusar de agir para que o exame não aconteça. Em reunião com parlamentares na semana passada, ele afirmou que o Enem não foi feito para resolver o problema da desigualdade no país e reafirmou que manteria o exame em novembro. Sinalizou, no entanto, que uma eventual ordem do Ministério da Saúde poderia modificar as datas do Enem. Ontem, o ministro usou as redes sociais para dizer que o ministério fará, na última semana de junho, uma consulta aos inscritos no Enem para saber se os candidatos são favoráveis à manutenção da data, ao adiamento do exame por 30 dias ou à suspensão até o fim da pandemia. O mais provável é que o Congresso já tenha deliberado sobre o assunto até o final de junho.