Nonato Guedes
Está prevista para hoje uma reunião, através de videoconferência, entre o presidente Jair Bolsonaro e governadores de Estados tendo como pano de fundo a discussão do projeto de lei de socorro aos Estados e municípios em consequência da pandemia do novo coronavírus. O presidente havia dito na semana passada que pretendia ouvir os gestores para decidir se irá vetar ou não o trecho que abre exceções para o congelamento de salários no serviço público. Esse é um tema que, decididamente, não reúne o consenso entre governadores – e não necessariamente por razões políticas-eleitoreiras, mas por outras injunções ligadas à própria realidade orçamentária das unidades federadas.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, que parece ter readquirido poderes, depois de hibernar algum tempo e até mesmo ser desautorizado pelo presidente Bolsonaro em algumas iniciativas, é defensor da proibição de concessão de reajuste para todas as categorias. Conta com apoios, como o do governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite, do PSDB, que chegou a comentar no Twitter: “Consta que na reunião prevista para quinta-feira entre o presidente da República e governadores, seremos questionados em relação ao veto à possibilidade de reajustes salariais para servidores públicos. Se isso acontecer, manifestarei meu apoio a esse veto”.
No reverso da medalha, o governador do Acre, Gladson Camelli, do PP, manifestou-se contrário ao veto e defendeu as exceções do congelamento estabelecidas pelo Congresso. “Defendo saúde e segurança”, revelou ele ao site “Congresso Em Foco”. O governador do Piauí, Wellington Dias, do PT, é cauteloso ao se posicionar a respeito. Diz que a decisão de sancionar sem veto ou de vetar é atribuição do presidente da República. “A decisão por ele adotada, nós, governadores, vamos cumprir. O mais importante para o Piauí e para o Brasil é sancionar logo e pagar imediatamente”. O texto é proveniente de um acordo firmado no Congresso e, com exceção da parte dos servidores que o Congresso não negociou com o Planalto, o restante do texto foi acordado com o ministro Paulo Guedes e com líderes governistas na Câmara e no Senado.
A demora está provocando dificuldades para cumprir investimentos em andamento para evitar colapso e pode levar a atrasos na folha de pagamento de vários Estados e municípios, preveniu o governador do Piauí. Bolsonaro tem até hoje, data da reunião, para decidir sobre os vetos. Se não sancionar até esta data, a matéria passará a valer automaticamente do jeito como foi aprovada pelo Poder Legislativo. A matéria, de acordo com o levantamento feito pelo “Congresso Em Foco”, oferta às unidades da Federação um pacote de R$ 60 bilhões. Em troca, as autoridades locais teriam que congelar os salários no serviço público por um ano e meio. No entanto, diversas categorias, com o apoio do governo, foram excluídas da suspensão de promoções pelo Congresso.
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, do DEM-AP, foi quem tomou a iniciativa de apresentar novo relatório sobre o projeto de lei de socorro a Estados e municípios, embutindo a contrapartida das unidades federadas via congelamento de salário de servidores públicos. O parecer do senador acolheu quase todas as categorias excluídas do congelamento em votação anterior feita pelos deputados federais, tendo retirado apenas policiais legislativos da relação de beneficiados. O Senado já havia excluído profissionais de saúde e segurança pública e as Forças Armadas do congelamento. Na verdade, continua sendo difícil conciliar, neste momento atípico da realidade brasileira, medidas de preservação de atividades econômicas e de valorização salarial de categorias do serviço público com a adoção de medidas sanitárias para enfrentamento ao coronavírus.
Líderes políticos de diferentes partidos ressaltam que voltou à tona, em meio às repercussões da pandemia do coronavírus, a constatação do “lençol curto” dos recursos públicos para atender a demandas inadiáveis que são reivindicadas pela população às autoridades. As medidas sanitárias têm tido um custo bastante elevado, tanto na aquisição de equipamentos como na aquisição de medicamentos e na construção de hospitais de campanha, em caráter emergencial, para atender a pacientes contaminados por covid-19. Tem havido destinação específica e prioritária de recursos para o enfrentamento á pandemia, mas a situação torna-se incontornável à medida que as atividades produtivas estão paralisadas e que segmentos da sociedade começam a passar fome ou privações.
A classe política e os governantes não esperavam, tão cedo, defrontar-se com um desafio de tamanhas proporções como o que está sendo colocado nas respectivas mesas. Por isso mesmo, faz-se imperioso o bom senso por parte não apenas dos que decidem, mas dos segmentos sociais que estão compartilhando consequências da crise generalizada que se estabeleceu. A expectativa é de que haja luzes em mais uma rodada de discussões dos gestores sobre a gestão da calamidade que se espalha como metástase no país.