Kubitschek Pinheiro
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Escrever é um vício, uma cantata da alma. Viver é um vício. É um encontro da felicidade com o destino. Sentimentos puros. Viver é perigoso, já dizia Guimarães Rosa.
Há anos procuro entender o que Proust encontrou durante seu tempo perdido. Ou tentar desentender o que eu já entendi n´ Sombra das Raparigas em Flor.
Eu adoro as frases longas de Proust. A primeira vez que o li, foi um presente do saudoso cronista Carlos Romero. Nunca esqueci o dia em que ele me deu 200 livros e eu nem tinha onde colocá-los. Proust nos coloca distante, pra bem longe, mas não tem como deixar para trás o que se aprende. Acho que pelo fato de eu ser o caçula de uma récua de 9 filhos e agora somos 5, tenho comigo muitas lembranças de meu pai, que adorava meus textos iniciais, mas não conheceu Proust. Viver é um vício.
No espaço de outra analogia, da psicologia, e procurando a pulsão mais provocante, de Jacques Lacan, (de quem fui seu personagem, nos aos 80, na peça A Arte de Manter os Cabelos em Pé, (foto), com a atriz Selma Tuareg com duas únicas apresentações no Teatro Paulo Pontes), o escritor belga Philippe Willemart (nascido em maio de 1940 em Péruwelz e que emigrou para o Brasil em 1966), faz uma análise da primeira parte de “À Sombra das Raparigas em Flor” de Marcel Proust.
Willemart sustenta que, perseguindo o desejo de escrever, o escritor será movido por um pedaço de real inconsciente do gozo. “Assim, ousará franquear as barreiras eventuais da moral e inventar novas personagens ou situações que ressoarão nos contemporâneos ou nas gerações futuras”. Ah, as gerações futuras. Falamos sobre isso essa semana, o K e o procurador Marcílio Franca. Bom, mas da Terra, ninguém, nem esse vírus invisível, há de varrer o cio. Escreveu é um vício.
No olhar de agora, sem fazer alarde, dou de cara com uma sacada de que as redes sociais andam nos dominando e controlando, perturbando e roubando o nosso tempo já perdido…
Nesse tempo do senso comum, incomum, minhas palavras podem parecer exageradas ou desconectadas. Afinal, estar entre quatro ou dez paredes e a redução da vida social deveriam provocar um olhar para a beleza das coisas pequenas, dando lugar, apesar da enorme calamidade, a um tempo mais tranquilo, sem agonia, sem gritos, mas parece as redes não deixam. Vivo parte do dia ou o dia todo com o celular no silencioso e até o perco dentro de casa e, com a ajuda de outro celular, do meu filho, não consigo achá-lo.
Hoje sou um homem em home office, em off talvez, mas com atividade ligada ao teletrabalho com as novas condições e os deveres profissionais e o tempo segue com o mal necessário da Internet.
A verdade é que num mundo cada vez mais frenético em que vivíamos numa velocidade estonteante, o vai e vem de pobres e ricos com a informação e para uns e outros não, além do tanto faz, sem sequer, percebermos que o silêncio precisou nos impor um novo tempo.
Em “Silêncio na Era do Ruído”, do escritor norueguês Erling Kagge, nos coloca diante de uma meditação, uma indicação no sentido do silencio. Acho que enfim, estamos em busca desse silencio perdido. Eu aprendi muito com Proust. Ainda dá tempo, nunca o tempo perdido.
Até terça!