Nonato Guedes
Além de administrar a excepcionalidade da realização de eleições municipais este ano em meio a uma conjuntura atípica causada pela pandemia do coronavírus e por medidas restritivas que atingem a sociedade, o ministro Luís Barroso Pontes, que se investe hoje na presidência do Tribunal Superior Eleitoral, terá que se posicionar sobre as ações que podem levar à cassação do presidente presidente Jair Bolsonaro e do vice Hamilton Mourão por crimes eleitorais. Sobre elas, o ministro-presidente tende a se pautar pelo equilíbrio. Tem deixado claro, em entrevistas, que vai agir à luz da lei e de fatos concretos, não se furtando a dar sequência a processos que apresentem fundamentação legítima.
A impressão que se tem é que a atuação do novo presidente da Corte será ditada pelo próprio comportamento do presidente Jair Bolsonaro. Ninguém ignora as constantes manifestações de desobediência por parte do presidente da República a medidas de isolamento social que são recomendadas pela Organização Mundial da Saúde para prevenir o alastramento da pandemia. Bolsonaro, apesar de desdenhar da gravidade da situação, não é insciente dos riscos a que se expõe, dando maus exemplos que devem ser coibidos. Por outro lado, na esteira das denúncias formuladas pelo ex-ministro Sergio Moro, entrou no radar a suspeita de que Bolsonaro mistura serviços de inteligência públicos com serviços privados de informação, a pretexto de proteger familiares e amigos seus de eventuais acusações comprometedoras.
O próprio presidente deixou escapar a confissão de que se vale dos tais serviços privados para garantir um nível melhor de informação e controle de dados que avalia como indispensáveis para ter conhecimento. É uma ingerência temerária porque pode, da mesma forma, implicar em ação do presidente da República com vistas a encobrir o que não lhe interessa porque pode prejudicar, em tese, pessoas próximas que lhe são muito caras. Nesse caso estará rompida a fronteira da legalidade no que concerne à impessoalidade da coisa pública. Ao liberar o áudio da reunião ministerial – aquela, recheada de palavrões ditos por Bolsonaro – o ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, fez uma analogia interessante com o caso Watergate, que levou ao impeachment de Richard Nixon em 1972 na presidência dos Estados Unidos.
Celso de Mello lembrou que no caso Watergate – espionagem de eventos na sede do Partido Democrata, adversário de Nixon, então representante do Partido Republicano, a Suprema Corte norte-americana foi incisiva ao exigir a disponibilização de todos e quaisquer documentos tidos como secretos, sob a alegação de que estava em jogo, sim, a segurança nacional. Nixon acabou sendo inquinado por crime de perjúrio, ou seja, por mentir à opinião pública e à Suprema Corte dos Estados Unidos sobre fatos delituosos que eram do seu pleno conhecimento – e, também, consentimento. O fantasma do impeachment tornou-se inevitável nas circunstâncias. A trama acabou vazando para dois repórteres de influente jornal americano, que desenvolveram uma espécie de apuração investigativa, na linha de frente de apurações ensaiadas por órgãos credenciados para tanto.
O novo presidente do Tribunal Superior Eleitoral já evidenciou que o processo de impeachment não é propriamente uma novidade na história política-institucional brasileira. O instrumento foi utilizado pela primeira vez em 1992 contra Fernando Collor de Mello, pilhado numa série de escândalos constantes do caso PC Farias, referência a seu ex-tesoureiro de campanha eleitoral. Em 2014, o impeachment foi ressuscitado contra Dilma Rousseff, a primeira mulher eleita à presidência da República, concorrendo pelo Partido dos Trabalhadores. Dilma foi acusada de prática de pedaladas fiscais, detectadas pelo Tribunal de Contas da União, mas, ao contrário do que muitos pensam, essa não foi a única razão do seu impedimento, a ela juntando-se ações
Numa entrevista ao “Correio Braziliense”, o ministro Luís Roberto Barroso deixou patente a sua ilação meridiana de que todo e qualquer processo de impeachment é sempre traumático para a vida das instituições e para a sociedade como um todo. Daí a sua extrema cautela em face de exploração antecipada de prognósticos.