Em entrevista exclusiva à TV Globo, exibida ontem à noite no “Fantástico”, o ex-ministro da Justiça, Sergio Moro, declarou que se sentia “desconfortável” com a gestão do presidente Jair Bolsonaro e informou que o presidente foi alertado sobre a escalada de mortes em consequência da pandemia do coronavírus mas que falta planejamento ao governo. “O presidente tem uma posição negacionista da pandemia”, acrescentou. Também criticou a defesa por Bolsonaro da política de armamento dos cidadãos.
– Em nenhum momento se pode concordar que o armamento sirva, de alguma forma, para que as pessoas possam se opor, de forma armada, contra medidas sanitárias – opinou Sergio Moro, em referência à argumentação de Bolsonaro na reunião ministerial do dia 22 de abril que defendeu diversas vezes “armar o povo” para “evitar uma ditadura” e criticou a prisão de pessoas por descumprirem regras de isolamento social, atacando governadores de Estados. Moro disse ainda que a prisão, nesses casos, está dentro da norma legal. Ele voltou a falar da interferência do presidente na Polícia Federal, que foi a gota d’agua para a sua saída, mas também reclamou de substituições bastante questionáveis do ponto de vista técnico como Meio Ambiente e Saúde.
Em boa parte da entrevista, Moro foi colocado na parede pela jornalista Poliana Abrita por ter falado pouco na reunião ministerial e por ter permanecido 16 meses em um governo onde identificou irregularidades. No entanto, segundo a revista “Forum”, momentos de jogada ensaiada apareceram na conversa. Ao novamente dizer que o vídeo da reunião e os atos do presidente provam a interferência de Bolsonaro na PF para blindar familiares de investigações, dois argumentos de Moro já tinham sido trazidos pela própria Globo. “O vídeo fala por si, quando ele olha para mim; evidencia que ele estava falando da Polícia Federal”, comentou o ex-ministro. No sábado, o Jornal Nacional analisou em detalhes os olhares do presidente para Moro, quando fala em trocar “segurança do Rio”, apontando a mesma conclusão. “E temos que analisar os fatos que ocorreram anteriormente. Ele (Bolsonaro) não teve nenhuma dificuldade em alterar as pessoas do GSI, inclusive do Rio de Janeiro. Ele promoveu as pessoas, sinal de que não havia insatisfação. E os fatos posteriores. A mensagem que ele manda na quinta de manhã, que ele “fala mais um motivo para troca”, citando inquérito do STF e a demissão do doutor Maurício Valeixo”, completou Moro.
Moro também foi perguntado sobre a declaração de Bolsonaro na reunião de que seus “serviços particulares” de inteligência funcionam, mas os do governo não, ao cobrar informações de outros órgãos e citar a Polícia Federal. “Isto tem que ser indagado ao presidente da República, o que ele quis dizer com serviços particulares de inteligência, mas o que me causou mais preocupação foi, me parece, o desejo de que o serviço de inteligência realizado por esses serviços particulares passasse a ser prestado por serviços oficiais”, respondeu o ex-ministro. Ele disse que na reunião ministerial de 22 de abril evitou se pronunciar de forma incisiva porque “o ambiente ali não era favorável ao contraditório”. Também contou que não reagiu diante de falas do presidente que considerou serem sobre interferência na PF porque tinha uma reunião com Bolsonaro sobre o assunto, onde seria “mais apropriado” falar.