Nonato Guedes
A situação no horizonte institucional brasileiro está do jeito que o presidente Jair Bolsonaro queria. O Ministério da Justiça está esvaziado desde a saída de Sergio Moro – embora já não tivesse maior autonomia na gestão deste. Agora é uma peça simplesmente decorativa na estrutura de poder. Na Polícia Federal, está tudo sob controle absoluto. O Diário Oficial já trouxe as mudanças que o capitão queria fazer – e diante das quais Moro surgia como empecilho. Especialmente no Rio de Janeiro está tudo azul para Bolsonaro, seu clã, os integrantes da milícia e aliados políticos infiltrados no Congresso Nacional e em postos-chave do poder.
Para completar a alegria do capitão, fez-se a batida cinematográfica no Palácio Laranjeiras, sede do governo do Rio, com o aparente desbaratamento de um esquema de desvio de recursos na Saúde que foi bater no governador Wilson Witzel, do PSC, adversário político do presidente da República, expoente, juntamente com João Doria, do PSDB de São Paulo, da linha de frente do clube anti-bolsonarista. É evidente que a “blitzkrieg” da Polícia Federal é bem-vinda – já fazia algum tempo, mesmo, que a PF parecia inativa na cruzada contra a corrupção. As investigações sobre possíveis fatos delituosos no Rio devem ser conduzidas com rigor, mas é preciso assegurar o direito de defesa para o julgamento justo, sereno, equilibrado. Este é o problema: Bolsonaro aposta na escalada autoritária. É da natureza dele e das suas convicções, e ele não abre mão, não recua um milímetro sequer.
Os adversários de Bolsonaro suspeitam que a Polícia Federal, agora sob o seu inteiro controle, seja desvirtuada de seu papel profissional e transformada em ‘polícia política’ a serviço do presidente em missões de intimidação contra governadores de Estados e rivais encarapitados em cargos influentes nas Mesas do Senado e da Câmara dos Deputados. Ou em esferas representativas da sociedade, alcançando-se instituições como a Ordem dos Advogados do Brasil e a Associação Brasileira de Imprensa ou Associação Nacional dos Jornais. Bolsonaro estaria tentando reeditar a ‘polícia política’ que funcionou na ditadura do Estado Novo contra os opositores do governo de Getúlio Vargas. Foi um período dificílimo, com a tortura institucionalizada nos subterrâneos onde se gritava por liberdade.
O “Covidão”, como bolsonaristas denominam o esquema de desvio, por agentes públicos, de recursos destinados prioritariamente ao enfrentamento ao covid-19, mira o mau uso de verbas que estão sendo liberadas pelo governo federal na rubrica destinada ao combate a uma situação de emergência que provoca vítimas fatais. Desde o começo da liberação de verbas, Bolsonaro suspeitou que, lá na ponta, houvesse corrupção e, de antemão, procura carimbar governadores e prefeitos exatamente porque eles representam a ponta do escoamento da verba orçamentária, com dificuldades operacionais de controle, sobretudo num ano tido como eleitoral apesar das incertezas quanto à realização das eleições.
Cabe lembrar que independente de qualquer ofensiva por parte do presidente Jair Bolsonaro alguns segmentos da sociedade e também agentes políticos vinham cobrando transparência completa no processo de aplicação dos recursos específicos. Aqui mesmo na Paraíba, o Tribunal de Contas tem alertado para algumas inconsistências em prestação de contas sobre montantes repassados à gestão de João Azevêdo. É fundamental que as inconsistências sejam eliminadas, que eventuais deslizes sejam corrigidos a tempo e que, se já houver caracterização de crimes, que os responsáveis sejam punidos com eficácia. Mas que a fiscalização seja exercida pelos organismos sociais de controle, aliados ao Ministério Público, que conta com braços policiais fortes, como ficou evidenciado em operações que tiveram desdobramento máximo na Lava Jato, não por acaso executada por um certo Sergio Moro, que até pouco tempo era paladino da moralidade no altar do bolsonarismo e no entorno íntimo do presidente da República.
O crédito renovado na ação dos órgãos sociais de controle e fiscalização deve se juntar ao voto de confiança na imparcialidade do Supremo Tribunal Federal para julgar atos do presidente Jair Bolsonaro. A divisão de responsabilidades e iniciativas com governadores de Estados e prefeitos de Capitais e cidades brasileiras não exime o mandatário do monitoramento sobre a legalidade e impessoalidade das suas ações. A conjuntura é extremamente grave do ponto de vista sanitário e não pode servir de pretexto para alimentar intrigas e rivalidades políticas que prejudiquem o interesse público. A opinião pública está atenta, indiscutivelmente, aos encaminhamentos que estão sendo dados ao gerenciamento das ações anti-coronavírus.
O “Covidão” pode fazer estragos em governos estaduais e em gestões municipais. Mas também pode fazer “vítimas” no próprio poder federal. Daí a necessidade que a opinião pública deve ter de ser implacável, indistintamente, com quaisquer agentes públicos que explorem uma situação de calamidade para tentar tirar proveito, à custa, talvez, de muitas mortes. Olho vivo nos governadores, nos prefeitos, nos congressistas, nos parlamentares em geral. E também no gabinete do presidente da República. Que, vale repetir, pode muito, mas não pode tudo….