Nonato Guedes
Havia a expectativa de que as eleições municipais deste ano, na Paraíba, servissem como termômetro da liderança política de João Azevêdo (Cidadania), já como governador. O pleito seria a oportunidade para o gestor demonstrar potencial próprio como expoente de um novo esquema político no Estado, já que nas eleições de 2018 teve que dividir espaços com o ex-padrinho Ricardo Coutinho (PSB) e creditar-lhe influência no processo de sua ascensão ao Palácio da Redenção. Até então, Azevêdo era jejuno em disputa política e operava apenas nos bastidores, seguindo diretivas emanadas de Coutinho, senhor dos votos e dos anéis de Saturno na Paraíba na quadra recente da história.
Oficializado o inesperado rompimento entre eles, quando o governo de Azevêdo mal tinha começado, o chefe do Executivo eleito em primeiro turno em 2018 derrotando candidaturas como as de José Maranhão e Lucélio Cartaxo, foi forçado a recomeçar quase que praticamente do zero a sua militância política na conjuntura estadual. Tratava-se, com urgência, no seu caso, de dispor do comando de uma legenda política para suprir a orfandade ocasionada pela deserção do arraial dos girassóis, premido pelo personalismo de Ricardo e por atos de hostilidade dele, refletidos na destituição da antiga direção estadual e na formação de novo corpo dirigente, que já excluía Azevêdo e seus discípulos do projeto. O partido “Cidadania”, sucedâneo do ex-PPS, calhou bem para os propósitos de João de construir vida nova.
Em paralelo, os passos do governador foram facilitados pela enrascada em que se meteu o antecessor Ricardo Coutinho, arrolado em depoimentos colhidos no âmbito da Operação Calvário como suposto mentor de uma organização criminosa especializada em desvio de verbas públicas da Saúde e da Educação. A prisão – ainda que fugaz – de Ricardo, a imputação que lhe foi feita de uso de tornozeleira eletrônica e o desfiar de um rosário de acusações gravíssimas, em fase de investigação, constituíram duros golpes para o ativismo político que Ricardo pretendia empreender, fora do governo, com uma desenvoltura invejável para quem esteve por dois mandatos de quatro anos à frente do Executivo paraibano. Em certa medida, isto abriu espaço para Azevêdo e deu-lhe fôlego para recomeçar trajetória política. O governador foi favorecido, igualmente, pela sustentação de maioria na Assembleia Legislativa. Ricardo ainda dá tratos à bola para produzir a melhor estratégia para voltar à cena, avaliando condições legais e eleitorais para disputar a prefeitura de João Pessoa, como era o combinado.
A pandemia do coronavírus foi o fator que desestabilizou tudo, tanto para o esquema político que Azevêdo principiara a montar, como para Ricardo Coutinho, este, pleno de limitações para concretizar um trabalho de formiguinha que o levasse a ser aclamado como expoente da esquerda na Paraíba e, simultaneamente, como o grande líder da oposição a Azevêdo – um território que é disputado, ainda, por diferentes lideranças e esquemas políticos preexistentes ao ingresso do atual governante na cena. A perspectiva de realização de eleições municipais este ano no país se mantém no horizonte, como questão de honra para o próprio Tribunal Superior Eleitoral, mas os preparativos para que elas aconteçam estão ostensivamente restringidos pelos decretos que instituíram isolamento social e proibiram aglomerações, como parte das medidas para evitar a disseminação do coronavírus.
A eleição está mantida no calendário – mesmo na hipótese de adiamento para dezembro, mas, ao mesmo tempo, está suspensa, do ponto de vista de estratégia de partidos políticos, que estão sendo desafiados a se reinventar e, ao mesmo tempo, a reinventar o processo eleitoral, adaptando-o a uma anormalidade, a uma situação de emergência ou excepcionalidade que não constava, nem de longe, nos prognósticos de especialistas, autoridades, agentes políticos e postulantes diretamente interessados na disputa. Como corolário da metamorfose, o projeto de autoafirmação política de Azevêdo está adiado.
Se as eleições deste ano forem realizadas, talvez não venham a exprimir, objetivamente, plebiscito sobre governos de plantão, como era esperado. A atenção da opinião pública está desviada para as medidas sanitárias e para as providências que podem ser tomadas para reativar o comércio e o emprego no País como um todo. Não há o mínimo interesse por eleições – e essa apatia tem sido captada pelos líderes e pelas autoridades. Muitos eventos de maior repercussão popular foram cancelados no mundo inteiro, de modo que a dúvida sobre as eleições só preocupa mesmo a quem pretende concorrer. Ou a quem deseja se testar num cenário onde é recém-chegado, caso explícito do governador João Azevêdo, compelido a adiar para 2022 projeto desse porte.