O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva criticou em reunião do Partido dos Trabalhadores, ontem, os manifestos suprapartidários em defesa da democracia surgidos nos últimos dias, argumentando que os documentos articulados por representantes da sociedade civil desconsideram os direitos dos trabalhadores. De acordo com a “Folha de S. Paulo”, as iniciativas buscam recriar o clima das Diretas Já, da década de 80, e uniram adversários ideológicos diante dos ataques do presidente Jair Bolsonaro a instituições e à Constituição. A atual leva é encabeçada pelo Movimento Estamos Juntos, mas outras mobilizações e grupos recém-criados compõem o cenário, como a campanha Somos 70% e o Movimento Basta!”.
Lula defendeu que o partido analise as iniciativas antes de tomar qualquer decisão e as relacionou a um projeto da elite brasileira – embora parte dos manifestos venha se organizando por meio da internet, com a possibilidade de qualquer cidadão aderir. “Li os manifestos e acho que tem pouca coisa de interesse da classe trabalhadora. Não se fala em classe trabalhadora, nos direitos perdidos”, afirmou o ex-presidente. Para ele, os textos só falam genericamente no que chamou de corte recente de direitos. Lula se confessou incomodado com a presença, nas listas, de nomes de pessoas que apoiaram o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e que, na visão do petista, abriram caminho para a eleição de Bolsonaro. Em diversos momentos, ele reivindicou protagonismo para o partido.
“Sinceramente, eu não tenho mais idade para ser maria vai com as outras. O PT já tem história neste país, já tem administração exemplar neste país. Eu, sinceramente, não tenho condições de assinar determinados documentos com determinadas pessoas”, afirmou. Na fala, transmitida em redes sociais, o ex-presidente disse ter lido os manifestos do Estamos Juntos, inicialmente assinado por artistas e intelectuais, e do Basta!, organizado por advogados e outros expoentes do meio jurídico. Alguns dos manifestos, segundo Lula, são “feitos com boas intenções” e contam com “gente muito boa assinando”, mas há, também, “aqueles que estão fugindo do barco – que apoiaram Bolsonaro e agora querem se desvencilhar dele”.
– Nós precisamos apoiar qualquer manifesto que for para resolver o problema do Brasil, mas não podemos ser levados pela euforia – acrescentou, afirmando que o PT não pode se deixar ser usada por pessoas que são contra Bolsonaro, mas apoiam a política econômica do ministro Paulo Guedes. “Tem muita gente de bem que assinou, e tem muita gente que é responsável por Bolsonaro. O PT tem que discutir com muita profundidade, para a gente não entrar numa coisa em que outra vez a elite sai por cima da carne seca e o povo trabalhador não sai na fotografia”. O petista disse não ter certeza se o objetivo das mobilizações é tirar Bolsonaro, “porque o que interessa para a elite brasileira é a política de desmonte do Guedes. Eles estão tentando reeducar o Bolsonaro, mas não querem reeducar o Guedes”. Após as justificativas, Lula defendeu que o PT tome “muito cuidado” diante das iniciativas. “Para a gente não pegar o primeiro ônibus que está passando. É preciso que a gente analise todos esses manifestos e que conversemos com os organizadores para saber o que eles querem”.
O ex-ministro e ex-prefeito de São Paulo Fernando Haddad, que disputou a eleição de 2018 pelo PT e foi derrotado por Bolsonaro no segundo turno, assinou o manifesto do Estamos Juntos. Na opinião de Lula, há um interesse muito grande da elite brasileira em voltar a governar o país sem o PT. “As pessoas acabaram de cometer um ato ilícito, tirando uma presidente democraticamente eleita pelo povo, e aí perceberam que o troglodita que elegeram não deu certo. Agora querem tirar o troglodita para quê?”, afirmou. “Até o Fernando Henrique Cardoso, que é um dos que ajudaram a derrubar Dilma, porque se acovardou, assinou”, continuou o petista, citando o tucano, que aderiu ao “Estamos Juntos”. “Eu não posso aceitar com muita facilidade aquilo que as pessoas que ajudaram a destruir o país estão querendo fazer”, disse. E insistiu: “O PT não é uma coisa qualquer que pode ser menosprezada. Eu vejo uma tentativa muito grande de isolar o PT, de fazer com que o PT desapareça do cenário político. Volto a dizer: não dá pra aceitar a ideia de que o Bolsonaro é resultado de um processo amplamente democrático. Ele é resultado de um processo que se deu desde a cassação de uma presidente, sem crime. Agora perceberam que o troglodita que eles elegeram não deu certo”.