Nonato Guedes
Mesmo com as restrições à mobilidade social decorrentes da pandemia do novo coronavírus, a pré-campanha para prefeitos municipais não está desaquecida. Ela se desenrola nos bastidores, dentro das agremiações, e na interlocução entre líderes e dirigentes que buscam viabilizar alternativas e construir consensos em torno de candidaturas viáveis. Em João Pessoa, onde o prefeito Luciano Cartaxo (PV) não tornou público o nome que pretende apoiar para a disputa à sua sucessão, e o esquema do governador João Azevêdo continua indefinido sobre a opção a ser ungida, o ex-senador Cícero Lucena corre por fora, lutando para ser adotado pelo Partido Progressista como candidato a um cargo que já ocupou duas vezes. Da parte do ex-governador Ricardo Coutinho (PSB) já se fala que poderá lançar a mulher, Amanda Rodrigues, para cumprir tabela enquanto ele avalia condições de elegibilidade, já que responde a processos na Operação Calvário e cumpre sanção de uso de tornozoleira eletrônica imposta pela Justiça.
As mortes recentes do ex-governador Wilson Braga e da ex-deputada federal Lúcia Braga originaram o vácuo num segmento político expressivo que decidiu eleições majoritárias municipais e estaduais em João Pessoa. Esse vácuo é tanto mais acentuado pelo fato de que o braguismo, personificado por Wilson e Lúcia, não deixou herdeiros políticos, embora o espólio eleitoral ainda seja respeitável e deva ser diluído entre múltiplas postulações. Cícero Lucena dividia nacos do eleitorado pessoense com o casal Wilson-Lúcia, favorecido pelo trabalho social desenvolvido pela sua mulher, Lauremília, com boa aceitação em camadas da periferia da Capital. A candidatura de Lucena está condicionada à segurança sobre condições de elegibilidade, já que, embora inocentado na Operação Confraria, Cícero possui pendências de contas rejeitadas pelo TCE, o que pode ser um óbice à pretensão de voltar à prefeitura. Se, porém, a pista estiver livre para decolar, é certo que ele larga com vantagem na disputa.
O prefeito Luciano Cartaxo, embora bem aprovado por setores influentes da opinião pública e com um saldo proativo nas atuais ações de emergência para fazer frente à calamidade do coronavírus, não preparou nenhum nome específico para massificar como candidato à sua sucessão. Descartou o vice-prefeito Manoel Júnior (que não teria dificuldades em se compor com Cícero Lucena em termos de apoio) e deixou que auxiliares da sua administração competissem para mostrar credenciais sobre potencial nas urnas, o que fez com que pelo menos quatro figuras se desdobrassem com afinco cortejando o beneplácito oficial: Diego Tavares, da pasta do Desenvolvimento Social, Daniella Bandeira, do Planejamento, Socorro Gadelha, da Habitação, e ultimamente Edilma Ferreira, da Educação. Socorro parece ter perdido cacife e o jogo ficou imprevisível diante da postura de Cartaxo de não trair preferência ou simpatia. Hoje, quando termina o prazo para desincompatibilização de pretendentes à disputa eleitoral, alguma sinalização deverá haver.
Há indicativos de pré-candidaturas em outros partidos, como a do radialista Nilvan Ferreira no MDB e de nomes recém-chegados no DEM, PL, PTB, como há postulações enrustidas no “Cidadania”, a legenda que o governador João Azevêdo resolveu liderar após ter sido praticamente expulso das hostes do PSB pelo ex-governador e ex-padrinho político Ricardo Coutinho. Este, por sua vez, tenta firmar uma aliança com o PT, de quem se reaproximou, como tática para demonstrar que não está isolado nem lidera o bloco do “eu sozinho”. No PSDB, o deputado federal Ruy Carneiro assegurou a vaga de candidato com a filiação de Cícero ao PP. O panorama geral é imprevisível, indefinido. Mas algumas tendências parecem cristalizadas. Da parte do prefeito Luciano Cartaxo há uma confiança espantosa na sua capacidade de transferir votos, o que o leva a crer que qualquer nome que apoiar estará consagrado, com o reforço inseparável da máquina. Nesse caso, o candidato é ele, para um terceiro mandato consecutivo, que a legislação não permite.
Quem pode competir com o esquema de Cartaxo, fora de qualquer dúvida, é o ex-senador, ex-governador e ex-prefeito Cícero Lucena, tanto pela capilaridade eleitoral de que ainda desfruta em João Pessoa como pela ausência de líderes que possam igualar-se a ele em termos de prestígio pessoal, independente de legenda. O governador João Azevêdo tem a opção de apoiar diferentes candidatos vinculados ao seu esquema, escapando de desgaste em meio à pulverização de nomes. Ricardo Coutinho não tem fichas, à primeira vista, nessa disputa. A expectativa de que surgisse um “azarão” que pudesse empolgar parcelas do eleitorado está descartada – não há mais tempo útil para forjar milagreiros de votos. Caminha-se para uma disputa insossa, agravada pelo mal-estar gerado pela pandemia. Será um dos pleitos mais estranhos da história política. Se houver (o pleito). Porque, ainda por cima, é preciso trabalhar com o imponderável.